epílogo

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Pela primeira vez em mais de duzentos e trinta anos, a neve caiu para cima, o vento rodopiou três vezes em cada carvalho enrugado na Floresta Cinza e uma criança com dedos do tamanho de botões nascia no quarto mais alto do Castelo Branco, em um país tão pequeno e tão moldado pelo tempo que nenhuma palavra tinha coragem de ser responsável pelo peso de seu nome.

— Soem as trombetas, levantem as bandeiras e liberem as ruas! — gritou o rei, chacoalhando as parteiras e sorrindo com dentes tortos pelas batalhas e lábios vermelhos de vinho. — O príncipe nasceu, forte como seu pai, dotado da masculinidade e portador do dom divino!

A rainha sorriu com cansaço e levantou o recém-nascido em seus braços.

Caso não tivesse assistido o nascimento com seus próprios olhos cansados ou não fosse tão devota aos seus bondosos e imprescindíveis deuses, a criada Chae-won jamais teria acreditado na imagem em sua frente. O príncipe ainda era pequeno demais para abrir seus pequenos olhos e assistir como seu futuro começava a se desdobrar, mas se curvavam em meias-luas sorridentes apertados por bochechas cheias. O pouco cabelo em sua cabeça era prateado como a lua e seus pezinhos, tão rosados, frios como gelo.

Anjos não caíam do céu caso não tivessem pecado em conjunto com os inferiores. Mas ali estava o novo príncipe, no maior quarto do palácio, ainda não embrulhado, vestido, alimentado ou lavado e, mesmo assim, etéreo, brilhante, predestinado.

— Que fique escrito nas estrelas seu destino, meu pequeno — sussurrou a rainha, encantada com sua criação que não a pertencia mais por completo. — Seu destino de grandeza, de poder e de bondade. Talvez não o mais forte, mas o mais generoso e com a aptidão de um coração que o guie.

A neve caiu mais forte e a criada pode sentir o frio do inverno em seus ossos no meio de outubro. Uma andorinha pousou na janela.

O príncipe ainda era novo demais para entender o que todas aquelas palavras significavam, qual era o poder de uma profecia ou o que corria em suas veias. Ele ainda não sabia de anéis sagrados, árvores tortas e promessas de vinganças. Sabia ainda menos sobre meninos forjados do fogo, companheiros de batalha, conselheiros leais, fadas de cabelos azulados, duendes sábios e elfos sorridentes, o que era suficiente para que não soubesse nada sobre o que viria a ser.

Apesar disso, o príncipe logo saberia que seu nome era Park Jimin, que significa aquele com sabedoria que alcança os céus, com significado escolhido antes mesmo de seus pais nascerem, ou seus avôs, ou até mesmo a linhagem secular da coroa. E saberia que tudo o que o branco tocava era seu para governar.

❄️

O herdeiro de fogo não nasceu tão quanto foi forjado por seu pai, do ferro, do fogo, do metal e do Sol.

Sua vinda foi planejada, tracejada e proposta no desespero da salvação de um reino esquecido. A terra vermelha há muito não garantia o alimento ou a água ou o trabalho de um povo. O calor queimava a pele, a doença se alastrava pelo gado e os cavalos morriam sob o céu aberto. A data de seu nascimento não foi resultado do acaso e sua gestação não veio do amor. O rei nunca se importou com a má sorte que a falta de afeto poderia trazer.

As maldições da Terra Escarlate eram muito mais antigas que a criança que cresceu no ventre da mais forte guerreira escolhida a dedo pelo rei, mas seus ombros ainda seriam tomados pelo seu peso secular. A neve jamais encostou no magenta e o gelo não se formava nem mesmo quando o vento soprava plantações e construções e o príncipe cresceria sem jamais sentir o gelado em sua pele que não fosse causado por medo, perseguições e obrigações maiores que sua idade pudesse suportar.

As trombetas não soaram quando ele veio ao mundo e a terra não parou para comemorar. Seus punhos estavam fechados e o coração de sua mãe batia no ritmo do seu. O calor envolvia a sala como um cobertor e o ar abafado se misturava ao odor do parto. O príncipe nasceu pintado pelo sangue, de olhos abertos, cabelos alaranjados e corpo quente, tomado por curandeiros soados e cansados e inspecionado por druidas de mãos calejadas.

— O príncipe é perfeito como sonhado, Vossa
Majestade —, o primeiro curandeiro disse.

— Seus olhos ardem como o fogo do núcleo da criação —, adicionou o druida.

— A peça da redenção —, conclui o conselheiro real, quase sempre silencioso, assistindo de longe o desdobrar de uma nova era.

O rei não se emocionou ou sequer se aproximou da criança que não chorava mais desde que fora arrancado das mãos de sua mãe.

— Que assim seja. E honrado seja o Escarlate da Terra em Chamas!

— Honrado seja o Escarlate da Terra em Chamas! — o coro ressoou pela sala. Se as vozes pareciam mais altas que o normal, de pouco importava ao monarca.

A janela estava embaçada com o calor que aumentava exponencialmente com os curtos movimentos do príncipe. As mãos dos curandeiros se avermelhavam com o calor.

Ainda assim, o príncipe, até então, era novo demais para diferenciar a queimadura do fogo e do gelo, que o significado do nome Min Yoongi era seja um grande tesouro, ou que para sempre encontraria conforto nas brasas. Ele ainda não sabia sobre traições, destino, montanhas brancas e tigres falantes. Sabia ainda menos sobre meninos doces como mel, crianças que portavam espadas sagradas, humanos com a capacidade de amar, criaturas trapaceiras com asas, irmãos que não compartilham o mesmo sangue e orelhas pontudas adornadas de flores, o que era suficiente para que não soubesse nada sobre o que viria a ser.

Apesar disso, Min Yoongi logo saberia que neve demais queima. E saberia que toda a imensidão do deserto estava em suas mãos para resgatar.

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