Delaila
Hoje era seu décimo oitavo aniversário, e ela já tinha esperado demais para matar aqueles que destruíram sua família. Enquanto penteava os fios lisos do seu cabelo castanho claro, Delaila encarava furtivamente seu reflexo no espelho, seu quarto ficava localizado na ala noroeste da Gruta, era onde estavam os melhores aposentos, destinados aos Aelos mais bem sucedidos das Harpias. A arte de matar não era uma música que todos podiam dançar, mas ela tinha se tornado uma dançarina excelente ao longo dos anos, decorado cada passo, aperfeiçoado cada rodopio...já tinha feito muito pelas Harpias, o suficiente para pagar a sua dívida com eles, tinha oferecido mais vidas ao caldeirão do que era capaz de se lembrar e Aela Armelinda lhe devia isso, todos os cinco deveriam lamber o chão por onde ela passava, porque Delaila havia elevado o nível da Gruta, tinha servido de exemplo para milhões de outros Aelos, celenos e ocipes. Se eles não eram capazes de reconhecer isso e de lhe dar o que ela queria então estava na hora de partir.
Batidas soaram na porta, pousou a escova na penteadeira antes de mandar entrarem. A cabeça de uma humana baixa e ruiva passou pela porta, Sara era o nome da garota, Delaila reconhecia ela porque tinham participado da iniciação no mesmo ano, mas Sara tinha se tornado apenas uma Ocipe, o que ainda era impressionante levando em consideração que era apenas humana.
- Aelo Delaila – a garota fez um cumprimento de cabeça, o qual Delaila respondeu da mesma forma – Aelo Armelinda solicita sua presença na sala dela.
Sara desapareceu tão rápido quanto surgiu, fechando a porta e deixando Delaila sozinha em seu quarto...ou pelo menos quase. Voltou a olhar para seu reflexo no espelho, para a pele como porcelana que tinha leves rubores rosa espalhados pelas bochechas e ponta do nariz, para os olhos castanhos, o rosto esguio e bonito. Cada traço de sua aparência lhe dava ânsia, não tinha puxado nada de sua mãe, não tinha os longos e enrolados cabelos ruivos dela, não tinha as mãos delicadas, a pele de Delaila era coberta por finas cicatrizes das missões que fez ao longo dos anos, das vítimas que resistiam ao próprio assassinato e tentavam revidar, ou das punições que as Harpias infringiam em seus membros caso alguma ordem fosse desobedecida, mas sem levar esses detalhes em consideração...ela era igual a ele. Isso lhe dava nojo.
Conseguia sentir as unhas perfurando a carne da palma da mão. Respirou fundo e desviou os olhos do rosto no espelho, pegou um pedaço de tecido vermelho escuro e cobriu o objeto. Chega.
Precisava ver Armelinda rápido, aquela mulher não tolerava atrasos.
***
A Gruta era um labirinto de salas e túneis subterrâneos, iluminados graças a um complexo esquema de magia outonal onde diversas tochas presas as paredes e tetos dos aposentos permaneciam acesas por dias, meses, sem que ninguém sufocasse por causa da fumaça. Tudo ali era feito de pedra negra, um material escuro e refletido que compunha o piso, as paredes dos quartos, das salas de treinamento. Era possível enxergar o seu reflexo até na porra do teto, talvez fosse por isso que Delaila vivia nauseada naquele ambiente, não passava muito tempo na Gruta, sempre viajando em missões, sempre caçando a próxima presa, mas quando estava lá evitada ao máximo olhar para as paredes, mantendo seu olhar para frente, para qualquer lugar longe do seu rosto.
Não demorou muito para chegar até o fosso, todos os corredores levavam até ele, não importava para qual sala você estivesse indo teria que passar por lá. Estava uma puta barulheira como o de costume, aelos, celenos e ocipes estirados pelas arquibancadas arredondadas, conversando, treinando, brigando...Delaila observou o palco redondo no centro, as cinco cadeiras projetadas em direção as arquibancadas estavam vazias. Ela não sabia se todos os Cinco estavam na Gruta, sabia que Aelo Corta Mãos tinha saído em uma missão no reino de Hybern, mas não tinha certeza se o feérico tinha voltado.
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Corte de amor e brasa
FanfictionQuando se nasce em um lar precário e problemático é necessário aprender desde pequeno que nunca poderá contar com aqueles que te viram crescer. Delaila descobriu isso desde muito cedo. A Corte Outonal era conhecida por sua beleza e crueldade. Um ter...