Prólogo

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Sao 10:47 ainda, mostrando que não está nada perto a hora de ir embora desse lugar. O tempo não passa e a noite só tá começando. Meu pai acabou me arrastando com ele pro bar que fica a um quarteirão de casa, cheio de gente bêbada e ridícula igual ele. Nem em festividades tenho paz, alegria e momentos de diversão, o que se almeja em situações como essa. Se minha mãe estivesse aq...

- Eai garoto, quanto tempo, tá enorme hein? - um cara de uns 45 anos disse me agarrando e me envolvendo com o braço direito - Já tá do jeitão igual teu pai? Hein? - ele me apontava uma garrafa de soju.

- Claro! - digo enquanto exponho um sorriso forçado

- Aí si... - ele tenta afirmar tropeçando e quase caindo de cara no chão - Epa, quase hein kkkkkkkk

- Idiota - digo a mim mesmo me levantando e indo em direção ao fundo do bar. Passo pelo balcão onde o Eunsoo está conversando com Yunim, o entregador da empresa que fornece as bebidas. Cruzo com meu pai evitando-o ao máximo para não discutir, levar algum tipo de sermão ou qualquer outra coisa. Porém o mesmo nem me nota evidenciando o quão longe está da sobriedade nesse momento. Por fim abro a porta dos fundos à procura da única pessoa decente do local.

- Você de novo por aqui? Que novidade! - a voz familiar surgia do beco escuro onde encontrava-se um tanque velho e desgastado recostado em uma parede de iguais características. Youngji, a atendente, barwoman, faxineira, entre outros, do bar do Cha Eunsoo. Nos tornamos próximos devido à frequência com que venho aqui por causa do meu pai. A mesma vive praticamente seus dias inteiros aqui para custear os gastos de sua faculdade de fotografia, seu apartamento e custos pessoais, mesmo que o dinheiro não cubra tudo.

- Aqui estou! E você? Por que tá trabalhando no ano novo? Tu deveria é tá festejando agora, mulher!

- O senhor Eunsoo vai me dar um dinheiro extra, aí consigo pagar umas contas atrasadas. E também com quem eu passaria a virada? Além de tu, eu não tenho amigos e minha família é daquele jeito que você já sabe né - ela diz tentando não transparecer certa infelicidade.

Youn mudara do interior de Busan para Seul havia 3 anos em contraposição à vontade de sua família. Além de se oporem à mudança de estado, seus pais também não se puseram a favor da escolha de faculdade da mulher. Isso infelizmente a afeta muito.

- Que porra que é a familia! A gente é um bando de fodido do caralho! - digo pensando na situação deplorável que nos encontramos. Em seguida se instaurando o silêncio enquanto pensamos sobre nossas vidas de merda.

Tenho refletido muito sobre tudo: mim; meu pai; Youngji; os amigos de meu pai; minha mãe; minha família, especificamente meus tios. O cansaço tem me dominado; o desânimo; a ausência de felicidade; o ódio; o medo; o receio; a confusão; a carência.

- Sabe Youn, eu cansei. Do meu pai, da minha vida, de mim. Só queria que eu fosse a porra de um defunto - disse compartilhando meus pensamentos.

- Fala assim não porra. Você é uma pessoa tão importante na minha vida e acredito que na de outras pessoas também. Para de falar bosta e vamo entrar que eu preciso voltar pra lá senão o senhor Eunsoo já me manda pro olho da rua! - ela diz me empurrando de volta pra dentro do bar.

Numa mesa do canto esquerdo à frente da bancada está o homem calvo de porte médio de uns 45 anos, que mais cedo falara comigo, brigando com outro alto de mesma idade careca e barbudo. Não presto muita atenção mas entende-se que estão discutindo por conta de uma garrafa de cerveja quebrada que supostamente custou os últimos reais do homem calvo. Youngji vai em direção à mesa ajudar Eunsoo separar a briga. Meu pai está sentando na mesa ao lado rindo de toda a situação enquanto seu amigo Lee Sooman, à sua frente, está matando outra garrafa de bebida alcoólica.

Aproveito o momento de distração e saio pela porta da frente do bar em direção à rua Insa-Dong. Logo me deparo com um amontoado de carros estacionados pela rua e as luzes resplandecentes das casas decoradas. Nelas se ouve risadas altas e conversas de diversos assuntos ocasionados por momentos em parentela de felicidade e união. Invejo tudo isso, todos os indivíduos juntos se divertindo e se alegrando, tendo pessoas decentes com quem estar junto. Ou pelo menos alguém que não fique num bar os 7 dias da semana sem descanso nos fins de semana e feriados.

Enquanto caminho pelas ruas e observo as casas, me recordo de uma infância remota em que mesmo com meu pai do jeito dele, ainda havia minha mãe e meus avós para passarmos o natal juntos. Era maravilhoso e eu era feliz. Essa palavra ecoa na minha cabeça: feliz. "Felicidade". Eu estava feliz quando ganhei um carrinho de controle remoto da minha avó materna. "Decepção". Meu pai quebrou pisoteando-o em um de seus ataques.

Me distraí com minha própria mente que não notara quão longe tinha chegado até avistar o parque Bulguksan. Viera aqui duas vezes, se não me engano. Foram visitas de passagem quando eu e minha mãe íamos à igreja. Eu gostava de me balançar, mesmo que por uns instantes, numa balança de madeira do parquinho localizado debaixo de uma enorme árvore que fica no centro do parque. O rio Hongcheon está calmo e cheio, resultado das intensas chuvas ao decorrer da semana. Fogos começam a estourar no céu. Feliz ano novo!

Vou até a ponte e me recosto no parapeito de ferro vermelho, assim os pensamentos tormentantes passam a estourar junto dos rojões.

Boia em alto marOnde histórias criam vida. Descubra agora