prólogo

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Alguém me fala que não é segunda-feira.

É sábado? Não, segunda

Sexta? Domingo? SEGUNDA!!

eu sou uma puta.

Não quero levantar da cama, não quero ir pro trabalho, não quero ter que lidar com minha vida de vadia sem grana, sou uma arrombada, não tenho casa própria, pago um condomínio miserável em Nova York, o maldito do vizinho matou meu cachorro...

A única coisa que eu não posso reclamar é de ter um marido imprestável, porque graças a Deus eu sou sapatão.

Mas tirando isso, é tudo uma merda.

Me levanto e vou comer alguma coisa, aliás, tomar um café, por que pra mim é melhor que comer logo de manhã, eu não acho que esteja com fome suficiente para comer e o café é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.

Escovo os dentes um pouco atrasada, visto qualquer roupa e saio, não preciso de muito, afinal eu trabalho no bar do Zé Carlos! Então eu saio da minha casa e vou pro bar.

Chegando lá o idiota vem logo me cobrando:

- Hayla, você chegou atrasada e já tem uns vinte clientes pra você atender

- ah, é? Desde quando mais de dez pessoas já pisaram nessa espelunca? Vai se foder!

- sua ignorante - ele fala com a mão na cintura

- seu arrombado - eu imito ele.

A verdade é que aqui só chegam vinte pessoas à noite porque vira o body shop onde a travesti mais cobiçada da região faz seus "shows". E trabalhar em um bordel não é nada bom, primeiramente a pior parte de trabalhar de auxiliar é que os clientes te tratam como se você também se vendesse, eles te assediam tentam te agarrar... É horrível, uma vez eu fui dizer que sou lésbica para um cliente e ele me bateu, assim, sem nenhum pingo de respeito, até porque desde quando homem tem respeito por mulher?

E o pior de ser lésbica nesses lugares é que para eles a sua homossexualidade não existe, você apenas a inventou no ímpeto de se defender de suas investidas.

Eu odeio meu emprego, odeio meu bairro, odeio a vizinhança, odeio minha vida

Ela começou a piorar depois que o Bailey partiu, ele era meu único amigo, nós fazíamos tudo juntos, até dividimos a mesma cama. E ele me consolava quando eu estava triste.

Só que o pau no cú do vizinho, irritado com seu latido e as sujeiras que às vezes ele fazia no corredor, resolveu assassiná-lo, cortando-o em pedacinhos e colocando em minha porta dentro de uma caixa de papelão. Quando eu recebi aquela caixa ensanguentada, achei que era um feitiço, um trabalho, de longe, nem liguei, pra mim era só um bode, coisa de quem não tem o que fazer. Mas em um momento eu resolvi abri-la, então eu vi meu melhor amigo, daquele jeito, esquartejado.

Deu vontade de fazer o mesmo com aquele maldito assassino, porém o que eu realmente fiz foi completamente diferente disso, corri para dentro de casa, fui chorar no banheiro enquanto a água morna levava embora minhas lágrimas de desespero absoluto, me sequei mas continuei nua, liguei o rádio em um rock bem pesado e acendi um Beck: só vim dar por conta de mim no dia seguinte, quando acordei com dor de cabeça, e ainda desolada.

Não fui trabalhar, Zé Carlos que se foda, fui logo chamar a polícia:

- alô, polícia? Aqui é a Hayla Clint de Medsey valley, mataram meu cachorro aqui no condomínio southside, apartamento 705

- Olha, me desculpa, mas não atendemos ocorrências de animais, tenha um bom dia - um policial me responde de forma seca, com a voz gélida. Odeio Nova York.

Assim que desligo o telefone, abro a porta de casa, pego a caixa, enrolo em um pano velho e saio para enterrar meu velho beiley num lixão clandestino que tem no fundo do condomínio, eu sei que ele merece coisa melhor, mas é o que temos. E lá já havia uma pá me esperando, como se já estivesse pronta para enterrar alguém, preparada por Satanás.

Enterro a única boa companhia que tive por anos numa cova rasa, dentro de uma caixa, despedaçado, em um lixão. Que ótimo, agora estou sozinha novamente. Engraçado que ele morreu igualzinho a minha mãe, o maldito do meu padrasto a dilacerou viva a machadadas...

E neste pensamento as lágrimas voltam a formar cachoeiras no meu rosto enquanto eu relembro exatamente onde cada pedacinho de seu corpo caiu. Meus batimentos acelerados tornam minha respiração complicada, do nada, tudo se apagou.

                                       ***

— moça, acorde! Uma voz doce e feminina me acorda, não é a Anya, e muito menos outra voz conhecida, abro os olhos e é uma linda moça negra de branco, seu rosto está um pouco embaçado pois não estou muito bem, mas mesmo assim dá pra ver que é muito linda, deve ser um ser espiritual, provavelmente eu fui assassinada também, mas não tenho relatos de no inferno ter pessoas desse jeito, será que eu fiz alguma coisa boa na terra e fui pro céu?
— senhorita Hayla? — diz a moça com minha identidade na mão
— oi, aonde eu tô?

— moça, você desmaiou, teve uma queda de pressão — eu me assusto com o relato da mulher que provavelmente é uma média ou algo do tipo, com quase certeza eu estou em um hospital, na hora não penso no motivo pelo qual eu vim a desmaiar...
Até eu me lembrar que eu posso ter desmaiado no lixão enquanto enterrava meu pobre amigo bailey.
Nesse momento eu começo a chorar tanto que vêm duas enfermeiras pra tentar me acalmar
— moça, quer alguma coisa? — pergunta outra linda moça um pouco assustada.

— pode chamar a Anya? — pergunto olhando para ela e enxugando as lágrimas
— Claro, ela é da sua família?
— não, ela é minha namorada
— por acaso, sabe o número dela de cor?
— claro que sim — vou dizendo o número e a moça vai digitando vagarosamente
— alô, aqui é do hospital da cidade, é que a sua namorada está aqui e me pediu para ligar — nesse momento eu ouvi um grito — "o que que ela tem?" "Quero falar com ela"
— tudo bem, disse a enfermeira me entregando o telefone
— Oi, amor!
— vida, o que houve com você?
— eu só tive um desmaio, vem logo me ver, eu tô precisando de você
— tudo bem, meu amor — diz ela desligando o telefone

E ela chega bem rapidinho mesmo, nem parece a Anya lenta e preguiçosa de quando eu a conheci:
— como você está? Melhorou? Por que você desmaiou?
— mataram o bailey, lembrei da mamãe — digo chorando

— oh, minha bebê! — ela me abraça e nós ficamos um tempão agarradinhas
— eu te amo — digo dando um sorrisinho manhoso
— também te amo — ela sussurra no meu ouvido

— enfermeira, já podemos ir embora? — digo já me levantando

— não, você precisa ficar aqui até se recuperar completamente — ela me dá alguns remédios pra eu tomar, e a Anya fica comigo os dois dias em que eu ainda fiquei naquela tortura.
Confesso que ficar lembrando desse tanto de merda que aconteceu na minha vida machuca muito, mas é bom lembrar de quem sempre ficou do meu lado me ajudando a viver.

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⏰ Última atualização: Jan 04, 2023 ⏰

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