Adoecendo de amor

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Ocitocina exagerada

Este é um relato de uma experiência extremamente bizarra que me aconteceu, escrevo neste caderno como uma comprovação do que eu vivenciei e para nunca esquecer.

Trabalhei numa clínica de fisioterapia atendendo no guichê, acompanhada de minha colega que quase sempre estava ocupada em seus devaneios.

O trabalho não era dos melhores, chegava em ponto as 11 horas e ficava lá até 19:30, o salário não era tão ruim mas não era bom, os colegas que eu tinha eram mais estúpidos do que as pessoas que eu atendia, eu só permanecia ali por um médico em específico, não revelarei seu nome por questões óbvias, mas eu o apelidava de Senhor Neve porque em meio de seus fios negros como carvão havia fios brancos como a neve, se me perguntassem chutaria que entre seus prováveis 100 mil a 150 mil fios de cabelo, 45% eram brancos, quase chega a ser uma metade.

Me apaixonei por esse homem desde o primeiro dia que cheguei nessa clínica medíocre, ele é tão inteligente e fala com tanta calma e gentileza com as pessoas que não teria como não amá-lo, as vezes me imagino vivendo uma vida com ele em seu apartamento, preparando o jantar e o chamando, infelizmente isso não passa de uma visão fantasiosa, ele é casado com sua esposa fazia 32 anos e continua perdidamente apaixonado por ela, teve 3 filhos com ela e desses filhos já nasceram 2 netinhos. Como sei tudo isso dele você deve estar pensando?
Sou uma pessoa que repara muito nas outras e quando se gosta de alguém você quer saber tudo sobre a pessoa, até se é comprometida ou não.

Mas enfim, ele havia chegado na clínica com seu jaleco e camisa branco , pelo aspecto dela, tinha sido passada recentemente, sua esposa era uma ótima dona de casa, afinal passar uma camisa branca era uma tarefa complicada que apenas as mulheres mais habilidosas faziam perfeitamente.

Com seu sorriso doce ia cumprimentando a todos no recinto,quando chegou a minha vez o cumprimentei antes:

- Bom dia- o falo timidamente.
- Bom dia!- diz ele animado.

Ele nunca prestou atenção em mim, ele sempre me viu como qualquer outra funcionária mesmo o adorando todos os dias de uma distância segura, de repente senti meu coração doer muito, mas como aquela clínica não tinha especialistas em cardiologia para eu perguntar sobre, ignorei aquela dor o dia todo.

Depois desse dia, toda vez que o Senhor Neve me cumprimentava meu coração doia mais e mais, ironicamente enquanto mais a dor aumentava, meu amor aumentava junto de uma forma diretamente proporcional, eu sentia vontade de invadir a sua casa e roubar tudo o que estava lá  só para ter um pedaço dele e de sua vida, talvez eu poderia também matar a sua esposa, mas quando esses pensamentos vinham a tona eu os apagava na velocidade de um guepardo, que para os que não sabem correm de 80 a 130 quilometragem por hora.

Então caro leitor, você pensou que o componente bizarro dessa doentia história de amor já tinha aparecido? Você está errado, agora que ele irá aparecer.

No dia 22 de maio o doutor teve um intervalo maior, já que não era um dia tão movimentado, finalmente tivemos uma longa conversa, ele veio conversar comigo porque percebeu que eu estava sozinha, mesmo sendo uma opção minha não conversar com minhas colegas superficiais, achei um belo ato vindo dele me notar, na verdade tudo o que ele faz era belo, ou melhor dizendo perfeito, seu rosto, sua voz, o jeito que ele pisca 5 vezes mais do que a média populacional, a dor ficou tão forte que eu vomitei, ele tentou me ajudar mas por algum instinto mais forte do que eu, saí de lá correndo.

Corri para um beco escuro e cambaleei até me sentar, era úmido e frio, não escutei ninguém por perto, eu estaria me sentindo envergonhada por vomitar na frente do Senhor Neve se não estivesse sentindo tanta dor, a dor era insuportável e parecia que eu ia morrer, sentia algo rasgando meu peito, então o ápice de minha dor surgiu mas para não fazer barulho mordi minha camiseta abafando o som, de repente vi um buraco aberto em meu peito, em específico a região onde estava o meu coração e saiu de dentro um verme parasita e que bizarramente parecia o Senhor Neve, eu nunca fiquei tão aterrorizada como naquel momento, temi então por minha vida vazia, foi então que a criatura me disse:

- Eu sou seu sentimento.
- Como assim? Do que você está falando?
- Sou o seu sentimento pelo Senhor Neve, cresci em seu coração até que uma hora eu não aguentei.
- Co-como isso é possível?
- Conte para o Senhor Neve o que você sente, o quanto você o ama e o persegue incansavelmente, por favor não aguento mais me alimentar de seu coração imundo.

Ele insistia e insistia, eu me recusava a contar mas o parasita implorava para ser liberto, não sabia como matar o verme  que se denominava sentimento, tentei elaborar um plano então pensei:ele tinha que voltar para onde nasceu não? Logo eu o devorei, ele me enlouqueceria até eu contar a verdade para o Senhor Neve, mas eu não poderia contar, ele nunca sentiria o que eu sinto por ele, devorei todas as suas partes enquanto ele gritava por ajuda, seu gosto era muito amargo, péssimo, como um doce que tinha sido queimado no fogão, depois que terminei essa estranha refeição me levantei e andei normalmente para casa, avisei a clínica que estava com uma enxaqueca forte por isso vomitei e saí daquele jeito.

Cheguei para trabalhar no dia seguinte,o doutor chegou alguns minutos depois de mim e dei bom dia para ele, como sempre fiz e continuarei fazendo.

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