Olhei pela janela do avião. Do outro lado, o escuro absoluto me saudava, lembrando-me de que era impossível enxergar qualquer vestígio da cidade àquela altura. A noite tinha nos alcançado e tudo o que eu recebi de volta ao olhar para fora foi o reflexo cansado da menina de olhos assustados que eu tinha sido um dia. Balancei a cabeça e a imagem se dissipou. No lugar dela, a maquiagem impecável, os cachos soltos e a blusa branca, contrastando com o tom da minha pele, me passavam a segurança de que eu definitivamente não me parecia em nada com aquela garotinha.
Eu estava diferente. E por mais que eu quisesse me agarrar às lembranças do tempo que passei fora, sabia que não tinha alternativa a não ser enfrentar outra vez a vida que eu havia deixado para trás.
Rio de Janeiro. O próximo passo até meu destino, entre pontes aéreas e uma viagem de mais de duas horas, até a cidade onde eu nunca mais achei que fosse pisar. Volta Redonda, o lugar onde eu nasci, onde vivi boa parte da minha vida e de onde eu decidi fugir, levando comigo os sonhos e aspirações de uma adolescente sonhadora. E sonhar valeu à pena, afinal. Os anos que passei em Nova York tinham sido os melhores da minha vida e dizer que eu me sentia regredindo ao voltar para casa era quase como dizer que o céu é azul. Óbvio e incontestável.
– Você está bem, baby? – olhei para o lado e dei de cara com um Nicholas sonolento, olhando para mim com aqueles olhos verdes que eu tanto amava.
Fiz que sim com a cabeça e sorri.
– Cansaço de viagem. Não se preocupe – menti.
Ele me deu um beijo rápido e se virou novamente para o lado, pegando no sono em questão de segundos.
Sorri outra vez e voltei a olhar para fora, mesmo sabendo que era impossível conseguir enxergar alguma coisa além das luzes minúsculas lá embaixo. Eu realmente não me parecia em nada com a Tati que eu era quando decidi morar fora do Brasil. Estava voltando para casa como uma roteirista formada, com um namorado americano a tiracolo. Isso sem contar as lentes de contato que, graças a Deus, me fizeram dar adeus aos óculos de grau enormes que eu detestava. Eu venci, me tornei aquilo que sempre sonhei ser. Deveria estar dando pulos de alegria, mas não estava. Não dá pra ficar feliz quando tudo o que você fez a vida toda foi evitar seus problemas e deixa-los no pause e agora eles continuam lá, te esperando.
– Sras. e Srs., solicitamos que todos afivelem os cintos de segurança. Dentro de instantes pousaremos no aeroporto Galeão, no Rio de Janeiro – ouvi a voz esganiçada do condutor e voltei a atenção para frente.
Do meu lado, Nick se espreguiçou, antes de passar os braços pelos meus ombros e me aninhar.
– Finalmente vou conhecer a cidade do samba! – ele falou em meu ouvido, antes de me beijar na bochecha.
– O Rio de Janeiro é muito mais do que só samba – rebati, revirando os olhos. Eu poderia passar duzentos anos fora e mesmo assim sempre defenderia meu país. – Não seja um idiota na minha terra, forasteiro.
Nicholas soltou uma gargalhada e me apertou ainda mais contra os seus braços.
– Eu sei, mas adoro implicar com você – falou, com o sotaque carregado. – Ainda mais quando tenho a oportunidade de praticar o meu português.
– Que, aliás, precisa de mais treinamento – sorri. – O jeito como você usa o "r" vai te denunciar na primeira oportunidade.
– Como?
– O certo é adoro e não adorrrro – impliquei, exagerando na pronúncia. – Tá na cara que você não é daqui, gringo.
– Tá na cara que você me adorrrra mesmo assim – brincou, arrancando de mim uma gargalhada tão alta que várias cabeças se viraram em nossa direção.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Aquele Fim de Semana
EspiritualCONFIRA NA ÍNTEGRA: http://migre.me/v2feR Tatiana passou por grandes mudanças em sua vida. Viajou para fora do país, deixando para trás sua família, sua igreja e Bernardo, seu grande amor. Anos depois, ela retorna para casa e não é mais a mesma garo...