Prólogo

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Foi o dia em que o mar riu da minha derrota. Não uma risada discreta, mas uma gargalhada estrondosa que se refletiu no céu através das malditas gaivotas. 

Ignorando as ultimas tentativas fracassadas de uma manobra, me lanço na próxima onda perfeita que aparece. Pura determinação brilha em meus olhos conforme a prancha corta a água como um raio. O sol brilhava, as gaivotas se distanciavam com suas gargalhadas ruidosas, e eu sentia o abraço acolhedor do oceano.  

— Qual foi, Raquel?  escuto o Nicolas gritar, não muito distante de onde estou. — Quantas derrotas até você desistir de tentar? — o sarcasmo em sua voz é nítido. Não consigo aguentar o sorriso desafiador que se engue em meus lábios após lançar um olhar para trás e responder. 

— A essa altura já era para você saber que eu não desisto, pequeno Nicolas. Sou imparável  — provoco, vendo meu sorriso se refletir em seu rosto, conforme me manda um tchauzinho com uma das mãos e passa na minha frente no mar. Confusa, volto a olhar para frente, percebendo o motivo do seu sorriso igualmente desafiador. 

Em um instante, a onda mudou de forma, erguendo-se como um monstro de água. E então, como um truque cruel do destino, a onda me atingiu como uma parede de água e me lançou da prancha. 

As ondas tumultuosas me engoliram, como se o próprio oceano tivesse decidido me abraçar com força. A água salgada me envolveu instantaneamente, fazendo com que meus pulmões queimassem em protesto. Tudo à minha volta se tornou um borrão de tons verdes e azuis, e os sons do mundo exterior foram rapidamente abafados pelo estrondo do oceano.

Tento  de todas as formas alcançar a superfície, mas as correntes da água conspiram contra mim. Minhas pernas chutam freneticamente, meus braços se debatem, mas o mar é implacável. Cada movimento era como lutar contra uma muralha de força incontrolável.

A luz do sol, que minutos antes era brilhante e reconfortante, agora se tornou uma mancha difusa e distante, um vislumbre fugaz de esperança que parecia inalcançável. Eu desejava desesperadamente aquela luz, sabendo que representava a vida e a salvação.

Meus pulmões, inflamados com desespero, queimam intensamente, como brasas ardentes. Cada segundo que parecia uma eternidade, e eu ansiava por ar como se fosse o bem mais precioso do mundo. Mas o oceano me mantinha presa, sua força esmagadora me lembrando de minha vulnerabilidade.

Enquanto lutava para voltar à superfície, as vaias da plateia ecoavam em meus ouvidos, como uma tempestade de desaprovação. As risadas e os comentários zombeteiros da multidão eram um coro de humilhação.

Finalmente, com um último esforço,  consigo emergir da água, respirando fundo e limpando o sal dos olhos. Tudo em mim queimava, não apenas pelo esforço, mas também pela vergonha.

A plateia não se conteve, vaiando e gritando de forma impiedosa, enquanto alguns até apontavam em minha direção e riam. A praia parecia um mar de juízes cruzados, mas, apesar da humilhação, me forço a sorrir e acenar para a multidão, determinada a não deixar que minha derrota me derrubasse.

Foi uma manobra mal articulada impressionante, uma demonstração de como o mar poderia ser cruel e humilhante, mesmo para uma surfista mais determinada. Ou uma demonstração de como fui facilmente distraída com uma provocação estupida. 

Assim como os risos das gaivotas de outrora, Nicolas ria, completando sua manobra de forma graciosa, como se ele e as ondas fossem tão íntimos como um dia já foi comigo. Mas entendo seus risos, eu que ensinei esse canalha a surfar, e hoje ele me fez comer areia — no sentido mais literal possível. 

Meus olhos ainda ardiam, meu coração bombeava sangue com rapidez, e pura adrenalina e terror circulava em minhas veias conforme eu saia do mar, caminhando em direção a areia. 

A praia explodiu em risadas e aplausos, e, enquanto Nicolas emergia da água com sorriso, eu não pude deixar de relembrar a pergunta: Qual foi, Raquel? Quantas derrotas até desistir de tentar? 

A real é que não foi a primeira vez em que essa frase foi direcionada a mim. Diversas vezes eu mesma me perguntei qual seria o momento em que eu iria abdicar de tudo. Sempre respondi que eu sou imparável. Sou uma onda que não se pode ser dominada, um mar tempestuoso que não cede. Mas já fui tão humilhada...

Sem olhar mais uma vez para trás, adentro a multidão que assistia ao campeonato, sendo seguida de cochichos e olhares de reprovação. Essa é minha quinta derrota consecutiva, coisa que nunca acontecia antes do término. 

Estou deixando esse relacionamento fracassado mexer não só com minha vida pessoal, mas com a profissional também. Isso esta acabando comigo de uma forma que não consigo descrever. E me dói admitir isso, mas acho que até resolver esse problema em especifico, não posso voltar a competir mais. Não posso me submeter a inúmeras derrotas, sem nenhuma vitória em vista. Fracasso atrás de Fracasso.

Talvez eu não seja tão imparável quanto achei que fosse.


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14.10.2023

Água Salgada E MaresiaOnde histórias criam vida. Descubra agora