one-shot.

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   Marinette não sabia por qual motivo tinha bebido naquela noite. Não era raro a encontrar com uma garrafa de cerveja ou de qualquer outra bebida alcoólica, embora fosse um acontecimento frequente, ela sempre sabia dizer o porquê. Um dia estressante na faculdade, preocupação com a segurança de Paris, saudade de algum amigo que não via desde o fim do ensino médio, sempre existia um motivo, mesmo que fosse estúpido. Mas nada parecia justificar a garrafa de vinho pela metade em sua mão direita e, sendo sincera, aquilo a assustava. Era o atestado de que o controle tinha escapado de suas mãos e o problema outrora pequeno se tornou uma bola de neve prestes a descer uma colina, era difícil enfrentar os problemas de frente, a deixava angustiada admitir que seus pais estavam certos, parecia um pesadelo dar razão aos sermões infinitos de Plagg sempre que ele precisava ajudar a chegar na cama depois de uma madrugada exagerada. Ela enfiou a mão no bolso interno da jaqueta de couro que usava para se proteger do vento quando pilotava e sentiu uma pequena mordida na ponta dos dedos, a repreensão silenciosa de seu Kwami foi suficiente para desistir de pegar a chave da moto. Se atrapalhando com os próprios pés, Marinette andou até o beco mais próximo, dando um último gole na garrafa antes de encostar na parede e dar batidinhas suaves no bolso. Os olhos verdes espreitaram sem sair de dentro da jaqueta, quase conseguia ouvir a voz de Plagg dizendo que era uma péssima ideia, ficou feliz ao notar que ele não repetiria o mesmo discurso de sempre.

  — Plagg, mostrar as garras! - disse no momento em que o Kwami concordou com a cabeça. A sensação era tão boa quanto a de beber uma taça de vinho ao assistir sua série favorita em um fim de semana tranquilo, era energia pura correndo por suas veias, entorpecida com a certeza de que era invencível. Sentiu que era capaz de respirar outra vez quando viu Paris do topo de um prédio, o calor que emanava da cidade luz causava arrepios bons, do tipo que ninguém além de Misterbug seria capaz de entender. Seu coração doeu ao se lembrar do super-herói, o amargo da rejeição se misturando momentaneamente ao gosto doce do vinho, presa no momento em que o ouviu dizer que amava outra pessoa, revivendo a recusa cruel como se sua própria mente fosse uma sala de tortura.

   Sua mão direita apertou o bastão com força quando foi atingida pela realização de que ele era o motivo. Seus cabelos dourados caindo nos lugares exatos como dominós, olhos verdes como esmeraldas refletindo o amor, voz doce e postura impecável, o sentimento estranho de se sentir tão confortável perto de uma pessoa que nem mesmo sabia o nome. Era tão insensível que colocasse tamanha perfeição e gentileza ao alcance dos dedos dela e arrancasse de lá depois de se acostumar com isso. Só percebeu que chorava quando as lágrimas se acumularam o suficiente para embaçar a visão, o material do traje não absorvia lágrimas então preferiu deixar que continuassem, graças a isso as luzes de um outdoor próximo se destacaram em meio ao desfoque.

Adrien. O perfume.

   Lady Noire respirou fundo, engolindo os soluços e preparando o bastão porque sabia exatamente o próximo destino. Precisava estar nos braços do único garoto que parecia entender sua angústia, aquele que perdia horas de seu dia tocando músicas clássicas e escrevia poemas doces demais para o próprio bem.

   Ela não poderia dizer que foi uma aterrissagem suave ou discreta, o som de seus pés batendo no chão foi alto o suficiente para uma versão extremamente sonolenta de Adrien se sentar na cama. Marinette sentiu o coração sangrar dentro do peito porque ele era um retrato tão realista da perfeição quanto Misterbug, sua percepção embaralhada pelo álcool conseguia facilmente fingir que a voz sonolenta perguntando o motivo da visita pertencia ao seu parceiro.

  — Eu senti tanto a sua falta, M'Lord. - Lady Noire murmurou assim que se deitou nos lençóis macios do melhor amigo, se desprendendo de qualquer quantidade de bom senso que ainda guardava, cedendo à fantasia tentadora de que Adrien e seu amor eram a mesma pessoa. Ela escondeu o rosto no peito dele no meio de um abraço desajeitado, incapaz de ver a expressão envergonhada e assustada do modelo, não notou o alívio relaxando o corpo dele no momento em que percebeu que a associação não passava de um devaneio bêbado, mais tranquilo em lidar com a situação sabendo que sua identidade estava preservada. Seus braços envolveram a super-heroína com cuidado, encostando o queixo nos cabelos escuros, ouvindo os soluços baixos se derramando sobre seu pijama.

  — Eu também senti sua falta, My Lady. - Adrien sussurrou com carinho, a segurando com mais força, deixando que se deliciasse com a sensação boa de reciprocidade. Precisava oferecer isso a ela, mesmo que fosse falso e por poucas horas, mesmo que seu coração batesse como um louco por Marinette. Se permitiu ficar perdido no cheiro bom do shampoo da parceira, na sensação de que alguém o amava tão desesperadamente que esse amor transbordava pelos olhos, fingindo que os braços que o apertavam com tamanha devoção pertenciam à garota que amava. Deixou o próprio corpo escorregar para a cama outra vez, sentindo Lady Noire se enrolar e ronronar entre resmungos chorosos, aceitando a boa companhia para a noite.

   O quarto estava vazio quando Adrien abriu os olhos, a janela aberta e o cheiro nos lençóis sendo o único lembrete da madrugada anterior. Se aproximou do vidro, Tikki se acomodando na cabeleira loira como se fosse o lugar mais confortável do mundo, a ponta dos dedos tocou a superfície fria. Em silêncio, Misterbug desejou ser capaz de retribuir o amor ardente de Lady Noire, mas amava Marinette demais para isso.

I missed you, m'lord.Onde histórias criam vida. Descubra agora