Na primeira vez que o meu pai falou sobre o amor, eu estava sentado na varanda observando as estrelas. Naquela época as brigas já haviam se tornado rotineiras e eu buscava fugas para evitar seus desdobramentos. Lembro que naquele dia ele sentou ao meu lado, ecoando um suspiro profundo a medida em que o seu corpo repousava contra a madeira do chão poeirento e seus olhos percorriam os arredores, perdidos e desolados. Meu pai sempre fora uma pessoa difícil e de posicionamento implacável. Mas o seu comportamento perante a minha mãe tendia a se suavizar, como se de alguma forma ele evitasse o combate.
- Vocês fizeram de novo – lembro de ter reclamado.
Ainda posso sentir o contato da sua mão contra as minhas costas em um silencioso pedido de desculpa.
- Eu e a sua mãe estamos passando por um momento difícil – explicou na época – A vida tem dessas coisas. Nós não queremos que você se preocupe com isso.
- Vocês vão se separar? – questionei um tanto relutante.
Seus olhos escuros pousaram sobre mim um tanto surpresos com a minha audácia. Eu era apenas um garoto de nove anos buscando respostas para os problemas a minha volta. Um menino perdido no antagonismo do comportamento dos pais.
- Eu nunca deixaria a sua mãe, meu filho – ele respondeu com a voz ligeiramente alterada – Por mais que as coisas estejam complicadas, nós sempre conseguimos superar. Onde já confiança, respeito e companheirismo, existe amor. Você e a sua mãe são as pessoas mais importantes na minha vida. Ela é a minha Iara.
Sua expressão deslumbrada fez uma ruga surgir em minha testa e uma série de perguntas explodirem em minha mente.
- Iara? Aquela sereia do folclore?
Ele confirmou com um aceno ao passo em que um sorriso terno se formava em seus lábios.
- Sim, meu filho. Aquela Iara – seu timbre era sonhador e seus olhos se perderam em algum ponto ao redor – Chegará o dia em que você se sentirá como se a sua vida inteira não tivesse sentido até aquele momento. Você tentará respirar, mas o ar vai lhe faltar aos pulmões. Você tentará enxergar, mas tudo o que verá será uma senhora em meio a um mundo borrado. Você tentará escutar, mas os seus sentidos estarão embriagados pela melodia ecoada por aquela mulher. Nesse momento, meu filho, você descobrirá que as coisas só terão sentido se ela estiver ao seu lado. Você terá encontrado a sua Iara.
Lembro da sua risada estridente ao se deparar com a minha careta e braços cruzados na altura do peito.
- Parece que vou fazer papel de bobo – resmunguei.
- Ah, meu filho – ele respirava com dificuldade, tentando recuperar o fôlego – Será o melhor papel que você desempenhará em sua vida. E, acredite, você nunca se arrependerá disso.
Eu queria que ele estivesse vivo para que eu pudesse lhe dizer que nem todos possuem essa sorte.
A paisagem corre veloz a minha volta transformando as árvores e campos em breves rabiscos. Sinto o vento bater contra o meu rosto, acariciando a barba por fazer e me impulsionando a recordar atividades que venho ignorando.
Há quase dois dias os pneus do meu caminhão castigam o asfalto em busca de um destino passageiro, como tem se repetido todos os dias ao longo dos últimos anos. Desde a morte do meu pai e a minha partida abrupta de São João dos Viajantes venho tentando encontrar algum alento de uma cidade à outra. Algo, por mais insignificante que seja, que transforme o vazio em meu peito em um terreno fértil. A estrada possui suas belezas e singularidades. Perigos e promessas que se formam em seus quilômetros e que estão fadadas a serem concretizadas ou esquecidas. Mas eu aprendi que toda busca precisa de um objetivo, um ponto de chegada que nos permite aproveitar o júbilo após os sacrifícios.