único

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fui verbo teu; de início como primeira pessoa da conjugação: gostar, conversar, paquerar.

depois sentiu a necessidade de mudar e fui para a segunda conjugação: acolher, corresponder, satisfazer. 

logo percebi que não te bastou essa etapa, então me deixou em terceira conjugação: omitir, abstrair, ferir.

como um bom verbo, eu flexionei; fui plural por nós dois, mesmo que você quisesse ser singular.

tentei agir como a primeira pessoa a te amar; transmitir minhas emoções de forma clara, mas você ignorou meus adjetivos.

fui segunda pessoa para te entender; receptei e captei seus mais misteriosos trejeitos, mas você não se deixou levar pelas minhas vogais. 

como terceira pessoa eu tentei narrar o que sentia; mostrei nossa situação de forma detalhada e, sem resposta, sucumbi.

nosso aspecto foi perfeito — por vezes mais-que-perfeito —, mas nos prendemos ao imperfeito e, por fim, do presente, acabamos no pretérito. 

para te envolver, me obriguei até mesmo a ter  voz; desloquei-me de minha função silenciosa, tudo para tentar te trazer de volta.

fui voz ativa: o autor da ação, todos viram, mas você não. 

você me fez ser voz passiva: apenas recebi suas ofensas, fui ferido e sem reação. 

enfim, cansei-me e fui voz reflexiva: agi na mesma intensidade que você e ambos nos machucamos.

no infinitivo me encontrei, percebi que não precisava ser particípio; afinal, meu bem, você nunca me quis no gerúndio. 

eu te amei, tu não destes valor, ele por mim foi recíproco, nós então nos reencontramos, vós hoje vês minha felicidade, eles passam e dizem: este verbo finalmente encontrou seu sujeito.

porque, como verbo, eu fui presente, quis ser futuro, mas você me limitou e hoje sou apenas passado.

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