Cap 2

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Clove
.
.
.

— E-!
— A
B
.
Eu tremo, meu foco instantaneamente indo para o homem que
reverenciei toda a minha vida. Mas ele não está olhando para mim.
Está olhando para o meu pai.
E meu pai... está encarando minha mãe encolhida.
— Eu... eu... — ela gagueja, sua pele tão pálida quanto meu
pelo. — Eu não sabia... eu...
— Você não sabia? — meu pai repete, seu tom contendo uma
ponta de fúria que nunca ouvi antes. — Como podia não saber? —
Ele aponta na minha direção. — Ela é a porra de uma vira-lata!
— Eu pensei que ela era sua — minha mãe sussurra. — Eu...
Você tem que acreditar em mim. Ele... Ele me encontrou... Eu tentei
lutar... Mas eu...
Suas declarações são todas distorcidas. Talvez porque não
consigo ouvir além do latejar em meus ouvidos. Talvez porque ela
não consegue se explicar.
— Eu juro, eu não tinha ideia — meu pai diz para Alfa Bryson. —
Aceitarei qualquer punição que você desejar. Esta não é uma
reflexão sobre o nosso bando. É uma reflexão sobre mim e minha
esposa prostituta.
— Ele me estuprou! — minha mãe grita. — Tentei lutar com ele!
Eu... eu pensei... eu rezei e esperei que ela fosse sua. Eu...
— Eles são conhecidos por sua selvageria — Canton murmura.
— É possível.
Alfa Crane bufa.— Você é ingênuo, jovem e tem muito a aprender.
— Tenho trinta anos — Canton aponta. — E enfrentei essas
feras em batalha, pai.
— Isso não explica ela não ter relatado. — Alfa Crane pronuncia
as palavras com autoridade e uma pontada de desgosto. —
Queríamos sua melhor fêmea, e é isso que você nos dá? Uma viralata
de origem desconhecida? — Alfa Crane cospe no chão perto
dos pés de Alfa Bryson. — Eu nunca fui mais insultado do que
agora.
Alfa Bryson não diz nada, seus olhos vagando para mim antes
de se fixarem em minha mãe trêmula.
— O que pode consertar a situação? — ele pergunta. — Posso
oferecê-las como escravas.
Meu coração quase para de bater. O quê?
— Você pode matá-las — meu pai acrescenta. — Faça o que
quiser. Eu rejeito as duas.
— Gafton...
A mão do meu pai parece um chicote ao vento, batendo na
bochecha da minha mãe e mandando-a para o chão.
— Você nunca mais vai falar meu nome, sua puta de merda. —
Ele segue com um chute no estômago dela, depois outro na cabeça,
nocauteando-a no campo.
Minha loba reage com um rosnado, furiosa com o tratamento que
ele dá a sua companheira.
As companheiras devem ser reverenciadas, estimadas e
protegidas.
Seus olhos encontram os meus, a fúria naquelas pupilas escuras
são diferente de tudo que já vi. Ele dá um passo em minha direção,
mas Alfa Bryson o segura com a palma da mão no peito.
— Não é você quem deve dar esse castigo, Gaf.
— Não, é o meu filho quem deve dar. Ele é o mais insultado
aqui. Ele é quem foi enganado com uma companheira não
qualificada. Ele escolherá seus destinos.— Alfa Crane olha para
Canton. — A decisão é sua.
Tento ficar de pé, mas minhas pernas estão desajeitadas e se
recusam a aguentar meu peso.
Isso... isso deve ser um pesadelo.
Como posso ter pelo branco?
Minha mãe foi estuprada?
Por... por um lobo da Black Mountain?
Meu coração está batendo tão forte no peito que não ouço a
aproximação de Canton. Mas sinto seu cheiro, o cheiro de cedro e
homem chamando minha loba em um nível básico.
Companheiro, ela sussurra para mim, ronronando em aprovação.
Mas o sentimento não é correspondido.
Posso ver o ódio em seus olhos, a fúria por ter todo esse arranjo
arruinado pelo meu pelo branco.
Mas ainda sou a mesma.
Ainda sou a loba que meus pais me criaram para ser.
Eu... eu só tenho pelo branco.
Não preto.
Talvez ele exija que eu nunca mais me transforme?
Uma sugestão risível. Porque nossos filhos ainda serão
contaminados por minha herança mista.
Ele se agacha diante de mim, seus impressionantes olhos azuis
brilhando sob o luar. Tento inclinar a cabeça, mas minha loba se
recusa. Ela quer desafiá-lo, desafiar a todos.
Ela se recusa a aceitar qualquer destino que ele escolha. Ela é
forte demais para se curvar.
No entanto, ela não pode nem ficar de pé.
Grito para ela abaixar os olhos.
Ela não baixa.
E Canton começa a brilhar.
— Você se atreve a me desafiar, lobinha?
Não!, quero gritar, mas não posso falar. Não consigo me mexer.
Minha loba está no controle agora. Eu a neguei por tantos anos que
ela está se recusando a me deixar comandar o show.
Ele rosna.
E para meu absoluto horror, minha loba rosna de volta.
— Você está apenas provando para mim e todos os meus
homens que você não pode ser domada — ele me diz, sua voz
quase triste enquanto balança a cabeça. — Que pena. Eu poderia
ter adicionado você ao meu harém. — Ele fica totalmente de pé,
seus ombros retos de uma forma que faz minha loba rosnar.
Ela quer rasgá-lo em pedaços.
Porque ela o está rejeitando.
A compreensão me atinge bem no peito, me chocando.
E permitindo que minha loba ganhe muito mais controle.
Estou apoiada em minhas patas agora, minhas pernas se
esticando enquanto ela observa o campo de machos agressivos.
Eles cheiram errado. Feral. Inaceitável.
Ela quer destruir a todos, deixá-los em pedaços.
Especialmente aquele que chamei de pai a vida toda.
Ela está furiosa com ele por machucar nossa mãe. Vendo seu
cabelo escuro esparramado pelo chão, seus olhos fechados, seus
lábios sangrando do tapa de meu pai, minha loba dá um passo
ousado para frente.
Canton rosna, desta vez de forma ameaçadora.
— Não se mova — ele diz a minha loba, sua voz emanando um
poder semelhante ao de seu pai.
Meu animal rosna em resposta, não se curvando à sua vontade.
— Isto — Alfa Crane aponta para mim — é por isso que lutamos
contra o Bando Black Mountain. Eles não entendem hierarquia
porque seus lobos são criaturas selvagens e sem regras. Eles
trepam, matam e não obedecem.
Minha loba bufa como se pudesse entender suas palavras.
Ela discorda de todo o coração, seu desrespeito não tem nada a
ver com a falta de compreensão e tudo a ver com sua recusa em se
curvar a ele como seu Alfa.
Não entendo a inclinação ou de onde vem, mas não posso negar
a sensação de retidão pulsando em minhas veias.
Eu não pertenço a esse lugar, percebo. Nunca pertenci.
É por isso que minha mãe sempre me ensinava quando mostrar
minha espinha dorsal. Outras garotas não precisavam dessa lição,
mas eu, sim. Porque eu sempre fui mais forte. Sempre questionei
nossos métodos.
Enquanto todas as outras mulheres simplesmente as aceitavam
como lei.
Achei que era isso que me tornava uma fêmea Alfa.
Mas minha loba me diz agora que nunca foi o meu espírito
curioso. Eu questionei tudo durante toda a minha vida porque eunão pertenço a esse lugar.
Os lobos começam a cantar, fazendo com que os pelos das
minhas costas se arrepiem.
Eles querem a decisão de Canton.
Querem vingança.
Desejam sangue.
Porque eles me culpam por existir. E a expressão do meu pai me
diz que ele me culpa também.
Ele não é meu pai, penso.
No entanto, ele me criou. Me amou. Me preparou para esta
posição hoje. E agora está me deserdando diante do bando.
Não ouço as palavras, meu coração bate muito rápido em meus
ouvidos para que eu ouça o que quer que ele está dizendo. Mas
desaprovação e ódio irradiam de sua forma rígida.
Ele chuta minha mãe novamente.
Ela nem está acordada ou se movendo, e o idiota se aproveita
disso.
Ele a pega e a joga aos pés de Alfa Crane.
Minha loba rosna novamente, furiosa com a visão de um macho
tratando sua companheira com tanto desrespeito.
Alfa Crane acena para dois de seus homens. Eles rondam com
olhos famintos, pegando a forma sem vida de minha mãe e
arrastando-a em direção às árvores.
Minha loba dá um passo à frente, com o pelo eriçado.
Mas um rosnado de Alfa Crane me mantém cativa, confundindo
meus sentidos.
Não é meu Alfa, minha loba pensa.
No entanto, minhas patas estão paralisadas na terra.
Eu não entendo esse poder. Não parece certo. Minha loba quer
lutar contra isso, abrir seu caminho e destruir a todos.
Alfa Bryson adiciona seu próprio rosnado, forçando minhas
pernas a dobrarem debaixo de mim, me levando ao chão.
— Ela está ficando selvagem — ouço um deles dizer. — É inútil
para nós.
Segue-se uma conversa, algo sobre minha mãe estar pagando
por seus pecados.— Mande-a para a Ilha Carnage — alguém sugere, as palavras
provocando uma lâmina de gelo pela minha espinha. — Deixe
aqueles animais destruí-la.
Não, quero dizer. Não, por favor, não.
Mas minha loba não me deixa voltar à forma humana.
Talvez porque eu realmente não saiba como fazer isso.
Meu companheiro deveria me ensinar. No entanto, ele está ao
lado de seu pai, de costas para mim, me tratando como se eu não
fosse nada. Como se eu não tivesse passado os últimos seis meses
pelos testes de acasalamento com ele.
Nada disso faz sentido algum.
Eu deveria estar brincando nas árvores agora, aproveitando os
aromas da terra e...
Um grito agonizante chega aos meus ouvidos, fazendo minha
loba se eriçar.
Mãe...
Risadas seguem.
Rosnados famintos também.
Meu pai não faz nada, seu rosto inexpressivo enquanto minha
mãe implora para que parem. Não posso vê-los, mas posso ouvi-los.
Posso sentir o cheiro do que estão fazendo.
Eles a chamam de vadia.
Eles a chamam de inútil.
Dizem que ela vai morrer de costas.
Minha loba rosna baixo e o desejo de me mover desperta meus
instintos e desfaz o aperto em torno de minhas patas.
No momento seguinte, estou correndo pela terra em direção aos
gritos de minha mãe.
Ela está chorando.
Estou indo.
Ela está com dor.
Vou te salvar.
Ela está apavorada.
Estou quase...
Um lobo maior me joga no chão, o feroz rosnado que reconheço.
Canton. Ele me prende à terra sob seu corpo muito maior, com as
mandíbulas na minha garganta.
Minha loba não aceita seu domínio, lutando embaixo dele com
toda a fúria e terror dentro de mim, tentando se libertar de seu peso.
É inútil.
Mal posso respirar embaixo dele quando sinto seus caninos na
minha garganta e perfurando a pele.
Ele vai arrancar minha cabeça, percebo, em pânico. Ele vai me
matar!
Meu espírito renova minha luta, passando da raiva para uma
necessidade absoluta de sobreviver.
Mas ele nem se mexe.
Ele é muito grande.
Ele é muito forte.
E acabei de conhecer minha loba. Não consigo controlá-la.
Um gemido me escapa, meus olhos travando naqueles azuis
vibrantes, tão familiares em suas feições lupinas.
Os gritos da minha mãe começam a desaparecer.
O mundo está escurecendo.
Minha vida acabou.
Tento uma última vez bater a pata em Canton, mas é tarde
demais. Meus membros não funcionam mais, meu corpo totalmente
subjugado sob sua forma rosnando.
Este é o meu fim.
Uma pesadelo real.
Um destino cruel.
O último som que ouço é minha mãe chamando meu nome.
— Aspen...
E o mundo escurece.

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