23 de março de 2017.
Estava tarde.
Menos de três horas que eu havia deixado aquele lugar.
Olhei pelo vidro da janela traseira do carro da polícia, com o estômago mastigando a si mesmo e tremi quando um suspiro escapou da minha boca por conta do choro silencioso.
O céu estava nublado, tingindo tudo de um azul morto, frio e triste.Tão triste quanto eu estava por dentro.
Eu não queria causar aquilo.
Não queria destruir sua família, não queria perdê-la, não queria machucá-la, mas querer não é poder quando algo tão nefasto mora dentro de você. O demônio cravou as garras nos meus ombros e eu não pude resistir.
Precisava obedecê-lo, precisava satisfazê-lo.
E por ser tão fraca, por vontade própria, eu acabei com tudo.
Minhas mãos sobre minhas coxas estavam geladas.
Eu mal senti quando mais uma lágrima grossa se misturou ao restante da cascata que molhava minhas bochechas, pescoço e o colarinho da camiseta rosa com coelhinhos estampados. A ansiedade do que vinha a seguir me consumia e a cada batida da mão do policial na madeira da porta da casa dos ++++ foi uma batida do meu coração.
Papai pegou uma das minhas mãos e entrelaçou nossos dedos enquanto acariciava meu braço. Eu não o encarei. Não tinha coragem. Sabia que ele estava bravo, que estava se sentindo traído, e se eu não seguisse seu plano até o final, seria pior para mim.
Prendi a respiração quando o senhor Hunt apareceu na porta. ++++++ ++++ com seu corpo grande e forte, sob a luz azulada da rua, parecia um mocinho de filme de terror.
Tive pena dele naquele minuto, porque, graças a mim, ele viveria um pesadelo dia após dia. Mordi com força a bochecha por dentro da boca. O gosto de sangue preencheu minha língua, mas tudo o que eu fiz foi respirar fundo e me manter encarando aquela cena.
Foi como se o mundo operasse no mudo.
A tempestade acima das nossas cabeças estava prestes a cair. A luz amarela de dentro da casa dos ++++ parecia ser o único ponto de calor no mundo, mas nem ela foi capaz de aquecer o coração daquela família escondida no fundo do corredor.
++++ ++++ segurava ++++ e ++++ junto de si. Em desespero ela encarava o marido, o policial e o carro onde eu estava como se o que era dito não fizesse sentido. ++++ olhava apenas para o pai, tentando fugir da mãe enquanto os policiais o encaminhavam para o outro carro.
Mas foi ++++, o irmão mais velho da minha melhor amiga, que me assustou. Ele não tirava os olhos dos meus. Não havia nada no seu rosto. Não havia raiva, tristeza ou questionamento.Não havia nada lá.
E eu tinha certeza que, no dia que tivesse algo, eu não queria estar perto para descobrir o que era.