ÚNICO: Uma obra de Dora Maar

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Visitar Avignon nunca esteve em um dos milhares de planos que cruzavam constantemente a mente de Kang Taehyun, mas pareceu tão certo estar ali naquele momento, que por pouco não caiu nos devaneios mundanos sobre ser obra do destino enquanto observava, da sacada de uma cafeteria típica, o pôr do sol e a agitação dos turistas. 

Não podia negar a si mesmo o quanto a mistura dos tons quentes com a brisa suave que trazia consigo os primeiros resquícios de que logo seria noite, lembravam-no de Choi Beomgyu, um alguém do passado do qual nunca conseguiu esquecer, muito menos de deixar de amar – até mesmo quando não foi capaz de nomear aquele comichão que  lhe perturbava sempre que pensava nele.

Era como uma pintura Impressionista, o sol parecia deslizar de maneira extremamente encantadora por detrás do enorme Palácio dos Papas e outras contrações de concreto que impediam-no de apreciar a mistura única de tons, mas Taehyun não costumava prender-se a esses pequenos obstáculos, apenas apreciava o que seus olhos podiam ver e sentia o que não podia enxergar ao fechá-los. A ardência suave dos últimos raios solares contra a pele, as gotículas de suor se acumulando após um gole generoso do chá de ervas, descendo pela nuca e adentrando a gola da blusa, escorregando pelas costas de forma incômoda. Todavia, gostava de explorar os próprios sentimentos.

Desde que havia se separado de Yeonjun, há pouco mais de dois anos, tendo claro em mente e ardente no coração o sonho de seguir em frente sem depender de alguém, Taehyun aprendeu que sentir não era ruim, não como quando passava noites em claro com o símbolo do Escudo queimando em sua pele por temer que o Choi se envolvesse em encrencas. Agora, sentir significava enxergar algo simples com olhar mais apurado e sensível, mesmo que fosse algo tão simples e repetitivo como o fim de um dia.

— Senhor. — chamou a garçonete, exibindo sua pronúncia impecável, ao mesmo tempo que deixava sobre a mesa o doce pedido pelo Kang, retirando-se em seguida com um dos braços nas costas e o outro segurando habilidosamente a bandeja prateada.

Taehyun não bebia café, mas rendeu-se ao aroma tentador de um pão doce com frutas e a promessa de um dia mais proveitoso do chá com ervas relaxantes. Ocupar aquela cadeira em uma das extremidades da varanda que ampliava sua visão da cidade, e consequentemente a imaginação, fora o suficiente para fazê-lo abrir, momentânea, mão de um passeio pelos museus.

De acordo com o pouco que conseguiu absorver dos livros e arquivos on-line da história local durante a viagem de trem que fez de Paris para chegar ali, Taehyun descobriu que a cidade havia sido uma fortaleza para proteger o poder e as riquezas da Igreja Católica quando o papa Clemente V deixou Roma e partiu para França, especificamente para Avignon. 

Haviam grandes muralhas ao redor, delimitando a região central. O que antes era uma fortaleza, agora se tornara a área turística.  Olhar para o Palácio dos Papas com toda sua grandeza que só podia ser vista em um todo a certa distância, Taehyun discorria mentalmente sobre os valores mundanos que aos seus olhos resumiam-se em poder e riqueza, na maior parte do tempo, as também no quão sortudos muitos deles eram sem sequer notar.

Após um longo suspiro, retirou-se da mesa seguindo para o balcão, onde pagou pelo lanche e seguiu despreocupadamente pelas ruas de pedra até alcançar a Ponte Saint-Bénézet. Era hora de voltar para casa. 

[...]

— Preciso de você. — a voz soou abafada, como se viesse de alguém que estava debaixo d'água. Mas, estava de pé em sua frente. — Preciso da sua ajuda.

As íris amareladas com tons suaves de lilás revelaram-se sob a névoa densa que os cercava, o cenário familiar que Taehyun acreditava ser próximo ao rio Tâmisa. 

— Venha até mim, Taehyun. — e sorriu. — Você saberá onde me encontrar assim que acordar.

Aquele sorriso...

Can't we just leave the monster alive?  - TaeGyu | TXTOnde histórias criam vida. Descubra agora