Portais e cachorros grandes

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Eu me lembro claramente de estar trancada na biblioteca segurando aquela chave como se minha vida dependesse daquilo. Apenas um corpo pequeno encolhido em meio as prateleiras de livros empoeirados. As luzes estavam todas apagadas e somente o som da minha respiração ofegante preenchia aquele ambiente. Os meus olhos ardiam de tanto chorar e eu sentia que iria morrer a qualquer momento mas esse momento nunca chegava.

De repente ouvi a voz dela distante:

— Querida, olha para mim — sua voz era como um abraço no meio daquele caos que estava minha mente — Conta até dez comigo. Um, dois...

— Lisa?

Levantei os olhos para o garoto a minha frente e me senti despertar de um pesadelo para o outro. Aquilo era apenas uma lembrança, ela não estava aqui. Por que essa memória agora?

O som dos trovões que rasgavam o céu eram como choques que me faziam estremecer.

Puxei o ar dos pulmões, que ainda doíam devido a correria de pouco tempo atrás.

Aquilo não podia ser real. Aquilo não podia ser real.

Haviam três criaturas nos rodeando, talvez mais, mas apenas uma delas veio para a luz, como se quisesse confirmar se eu era realmente quem ele estava procurando. Tinha a aparência de um humano com características de um animal, talvez um lobo? uma híena?

Ele me olhou com aqueles olhos grandes e injetados e consegui ver bem. Não sei se era impressão minha, mas pude jurar que ele tinha sorrido.

Ainda tentava entender o que diabos estava acontecendo ali quando o garoto loiro gritou para mim sacando a sua espada:

— Precisamos ir! E agora!

Não consegui verbalizar nada mas minha cara já dizia muita coisa.

Por que eu o seguiria?

Eu conhecia aquelas pessoas há menos de uma hora e meu instinto dizia que a melhor saída era cavar um buraco no chão e ficar dentro dele até tudo passar, ou quem sabe sair correndo, mas para onde? De um lado um bando de crianças estranhas que pareciam ter saído de um jogo de RPG no estilo D&D, do outro lado, a criaturas mais horríveis que já tinha visto em minha vida, com presas do tamanho da minha cabeça que me esmagariam em segundos.

Aquilo não podia ser real. Voltei a repetir para mim mesma.

Já tinha ouvido histórias sobre lobisomens, monstros meio uma coisa, meio outra, visto em filmes e séries, mas era ainda mais assustador estar na frente de um, que conseguia ser tão igual e ao mesmo tempo tão diferente da imagem que conhecemos.

Metade homem, metade animal. Uma mistura esquisita de pernas bípedes, mãos e pelos e que me dava embrulho no estômago, mas ali não tinha humanidade, apenas sede de sangue.

Mais tarde eu iria descobrir que aquele era um hienequen.

O monstro avançou para nos atacar e eu já estava me preparando para aceitar o meu destino quando ouvi:

— Hoje não! — gritou o menino do arco e flecha atirando duas flechas de sua aljava que passaram do meu lado cortando alguns fios do meu cabelo. Se eu não estivesse vendo com meus próprios olhos não acreditaria que ele acertou em cheio seu alvo. Uma flecha na cabeça e outra no peito. O corpo fumegante do bicho caiu no chão com um barulho seco.

Infelizmente ainda tinham mais de onde vieram e agora sabiam que a presa deles estava ali.

As outras duas meninas partiram para cima dos monstros sem qualquer vestígio de medo. Eram apenas crianças, mas lutavam como guerreiras. A garota mais velha se colocou em frente ao grupo e balançou a lâmina para assustar as criaturas. Por algum motivo, quando elas viam a luz da espada, recuavam rapidamente amedrontadas. Ela olhou para Tom, em seguida para mim e nos lançou uma piscadela. Apesar de claramente serem gêmeos, a personalidade dos dois parecia ser bem diferente.

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⏰ Última atualização: Feb 14 ⏰

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Lisa Jones: A Guardiã de MoltiqueOnde histórias criam vida. Descubra agora