Prólogo

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Escócia — 01/09/1988

  Voltar à Hogwarts após semanas de férias era algo que a maior parte de seus alunos ansiava ao longo delas. Seja por saudades dos seus amigos, por saudade da sensação libertadora que é poder fazer magia, pelos banquetes ou apenas por ter algo a que pertencer, grande parte dos estudantes de Hogwarts sentia-se agradecida por estar de volta, porque, embora muitos tivessem ótimas famílias amorosas, estar de volta a Hogwarts significava voltar à sua Casa. Seja ela qual for.

   Camila C. Estrabão fazia parte da maioria. Durante todas suas férias, a jovem bruxa havia sentido falta da sua cama no dormitório feminino da Sonserina. Sentira falta de usar sua gravata verde e branca, da maneira como suas malas eram perfeitamente organizadas, de modo que ela tivesse tudo a sua disposição, de como haviam desenhos cravados na sua parte da beliche - a que fica em cima, na última da fileira, próxima à janela -, de como ela ficava próxima à sua colega mais útil, de sentir o orgulho das pessoas ao seu redor quando ganhava mais um jogo, de como tudo naquele quarto, naquela escola e seus arredores, parecia projetado para que Camila ficasse o mais confortável possível. Ela sabia que na mansão de seus pais a vida seguia este mesmo percurso, talvez ainda mais explicitamente e com precisão, mas como o próprio nome indicava, pertencia aos seus pais. Não mudaria um tapete a menos que permitissem. Não daria ordens, a menos que permitissem. Não teria poder a menos que permitissem. E em Hogwarts? Em Hogwarts ela era imparável.

   Não dessa vez. Ou não como antes, Camila pensou desgostosa. –  Este ano, sua irmã mais nova, Sofia C. Estrabão, estaria entrando em Hogwarts. Quando a pequena bruxa estava prestes a completar seus onze sua carta chegou, havia sido a própria Camila quem a recebeu e decidiu guardar até seu aniversário, quando disse a ela que a garotinha havia cumprido seu papel e evitado a decepção que causaria, caso fosse um aborto. Em sua linhagem perfeita, trouxas nunca se misturaram a sua família, nem em casamentos, nem nascidos lá, e embora as chances que Sofia possuiu de ser a primeira fossem minúsculas, a jovem bruxa não pôde evitar se preocupar ao notar como ela não apresentava indícios de magia na maior parte do tempo. Felizmente, ela estava enganada. Felizmente. Não queria imaginar como seus pais lidariam com isso caso não estivesse.

  Com ela em Hogwarts esse ano, Camila teria que limitar certos costumes, ou deixar de fazê-los pessoalmente. A garotinha podia ser uma grande fofoqueira, e a jovem não precisava de mais cartas chegando vindas de seu pai com o mesmo aviso de sempre: Não estrague a imagem da nossa família. As regras que vinham com elas eram variadas; não vá parar na detenção, não seja pega trapaceando, jamais ouse pensar em perder no quadribol - Camila não poderia se dar o luxo de perder, seja no que for -, não minta com nosso nome, não ande desarrumada, não tire notas baixas em nada, não pareça nervosa ou indecisa – Todos os Estrabão deveriam andar como se soubessem que eram os donos do mundo –, não se envergonhe e não se misture com filhos de trouxas. Nada que ela não pudesse lidar, considerando como foi criada para fazê-lo. E, em troca de obedecer essas pequenas regrinhas, Camila conseguia poder, poder para intimidar toda a escola, poder para ser popular, para ser invejada. Ela era a bruxa mais importante daquela escola de sua geração. Não havia regra que fosse demais a ser seguida, se essa fosse a recompensa.

    Por isso, Camila estava agora no Expresso de Hogwarts, na sua cabine de sempre, mas desta vez não com suas amigas e sim com sua irmã. Sofia estava irritantemente animada com o voltas aulas, e embora fosse compreensível, não impedia Camila de sentir uma leve vontade de jogá-la pela janela, pela sua faladeira incessante e perguntas repetitivas. A bruxa mais velha suspirou fundo evitando a tentação.. Não conhecia nenhum feitiço que pudesse trazê-la de volta inteira caso o fizesse, então teria que lidar com a inquietude que sentia sobre isso, e sobre a maneira como os outros estavam inquietos demais para o próprio bem este ano. – É certo que, sendo todos bruxos entre onze e dezessete, seria difícil imaginar que ficariam calmos, mas não era só isso, a bruxa tinha certeza de ter visto muitos sussurrarem uns para os outros algo que ela ainda não podia saber graças a sua irmãzinha.

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