Victor Henrique Alves Rodrigues
Jason é um cara medíocre. Do tipo que tem medo de ser medíocre, sabe que é medíocre mas nada faz a respeito. Apenas teme continuar na mediocridade.
Jason é formado em engenharia de alimentos. Nem antes, nem depois da graduação descobriu o que era isso. Depois de muito pesquisar sobre a aerodinâmica do arroz, descobriu como colher os grãos de forma tão rápida, que poderia aumentar a coleta em duzentos por cento, permitindo assim dobrar a produção. A ideia não foi para frente pois muito se pensava que Jason não tinha o que fazer além de ficar pensando em arroz. Até ele mesmo pensa assim.
Hoje ele trabalha em uma lanchonete. A cada cliente que entra ele tenta ao máximo atender da melhor forma possível, sempre educado e com um sorriso no rosto, ele pensa que a qualquer momento pode entrar um ricaço, puxar assunto com ele e achar sua ideia do arroz interessante. Bem. Nunca entrou um ricaço, mas na terça feira do dia vinte e cinco de junho algo inacreditável aconteceu.
Jason se olhou no espelho. Estava dando aquela última olhada, aquela arrumada no cabelo antes de sair para trabalhar. Ele não viu um cara medíocre. Na verdade. Dessa vez ele viu um cara doente.
Já se passaram trinta anos. Jason ainda trabalha na lanchonete e tem câncer de testículo. Não foi fácil descobrir, Jason nunca faz essas coisas que se faz para descobrir algum câncer nessa região e nem tem alguém que faça por ele. Por um mero acaso, na manhã de um domingo ele fez, e em vez de prazer saiu dor e sangue.
"Estágio avançado" o médico disse.
Na lanchonete ele trabalha e a cada cliente que entra ele tenta ao máximo atender da melhor forma possível, sempre educado e com um sorriso no rosto, ele pensa que a qualquer momento pode vir um ricaço se oferecer para pagar todo o tratamento.
Bem. Nunca entrou um ricaço, mas na terça feira do dia vinte e cinco de junho algo inacreditável aconteceu.
Ele se olhou no espelho. Aquela olhada antes daquela dose de morfina, antes de sair para trabalhar e sobrevier mais um dia, só para se lembrar como é seu rosto quando não está dopado. Ele não viu um cara doente. Na verdade. Dessa vez ele viu um pedaço ambulante de carne de segunda.
Sua boca salivou. Fome? Também. A morfina faz mais efeito de barriga vazia. O bife não era saboroso, mas era carne, daquelas que ele comia quando fazia faculdade. Hoje tudo que tem a venda é carne de arroz. Com sua conta de assalariado não consegue nem comprar uma mini hamburguer vegano de quarta. Aquela pasta de proteína gelatinosa, feita com o que sobra nas Usinas de Reaproveitamento Orgânico de Consumos Comestíveis (UROCC).
Já se passaram 60 anos. Jason ainda trabalha na lanchonete e sente fome.
Na lanchonete ele trabalha enquanto ainda consegue se manter de pé. A cada cliente que entra ele tenta ao máximo atender da melhor forma possível, sempre educado e com um sorriso no rosto, ele pensa que a qualquer momento pode vir um ricaço e lhe oferecer um delicioso bife de alcatra.
Bem. Nunca entrou um ricaço, mas na terça feira do dia vinte e cinco de junho algo inacreditável aconteceu.
Ele se olhou no espelho. Aquela olhada para ver se nenhuma peça saiu do lugar, se não tem nenhum parafuso solto ou ferrugem aparente. Ele não viu um pedaço ambulante de carne de segunda, ele viu uma lata de sódio metalizado vazia.
Eu ainda estou de pé, ele pensava. Agora não sentia mais fome, não sentia mais tristeza. Ainda se sentia um pedaço de metal medíocre. Jason sabe que ele não é pouca coisa para ser menos que medíocre. Agora ele é aprimorado. O que ele economiza com comida pode pagar as prestações da Metalização Orgânica de Indivíduos Socialmente Elegíveis Servis (MOISES).
Já se passaram noventa anos. Jason ainda trabalha na lanchonete e não sente nada.
Na lanchonete ele trabalha enquanto ainda consegue se manter de pé. A cada cliente que entra ele tenta ao máximo atender da melhor forma possível, sempre educado e com um sorriso no rosto, ele pensa que a qualquer momento pode vir um ricaço e lhe oferecer um conjunto MOISES de metal de verdade. Nem que seja um chumbo.
Bem. Nunca entrou um ricaço, mas na terça feira do dia vinte e cinco de junho algo inacreditável aconteceu.
Ele se olhou no espelho. Não era um espelho de verdade. Era um conjunto de números binários, uns e zeros infinitos. Aquela última olhada para saber se acorda com o zero a esquerda ou a direita hoje.
Acordou com o zero esquerdo.
Seu bolinho de arroz binário estava vencido, e seu leite de arroz morfado. Era tudo programável, mas ainda tinha que haver regras e tinha que ser arroz.
Já se passaram cento e vinte anos e a essa altura, tudo no mundo real podia ser resolvido com arroz. Remédios, cremes de cabelo, peças de maquinas, alimentos. Tudo feito em cima de um grão não poluente, degradável, comestível e aerodinâmico. E o programa Pobreza Zero ou Um tinha que ser fiel ao mundo real por questões de justiça social.
Uma das regras era trabalhar na lanchonete. A cada cliente que entra ele tenta ao máximo atender da melhor forma possível, sempre educado e com um sorriso no rosto (porque era assim que funcionava antes). Ele pensa que a qualquer momento pode vir um ricaço e lhe oferecer emprego em outro lugar, afinal, de arroz ele entendia.
Bem. Nunca entrou um ricaço, mas na terça feira do dia vinte e cinco de junho algo inacreditável aconteceu.
Jason se olhou no espelho. Estava dando aquela última olhada, aquela arrumada no cabelo antes de sair para trabalhar. Ele não viu um cara medíocre. Na verdade, não tinha nada para ver ali.
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O Alguém
HorrorJason é um cara medíocre. Do tipo que tem medo de ser medíocre, sabe que é medíocre mas nada faz a respeito. Apenas teme continuar na mediocridade.