Era o primeiro casamento que Pajeú atendia em anos.
O único outro havia sido o seu com sua falecida esposa Saninha, mas não tiveram festa. E nem precisaram, a união sob os olhos de Deus foi mais do que suficiente para os dois. Mesmo assim, ele ainda estava completamente emocionado por ter sido convidado por Candoca, por ter sido incluído. Lembrado. A cerimônia da doutorinha foi linda; ela e Zé Paulino foram abençoados. Até ele, que não era o maior fã de música alta, estava gostando da banda. Todos se divertiam naquele dia.
Quer dizer, quase todos.
Tertulinho não parecia nada feliz em estar ali, e Canta Pedra inteira sabia o porquê: sua ex-mulher o trocou por seu recém-descoberto irmão. Ele não escondeu bem a antipatia no começo, mas acabou esquecendo os rancores ao longo da festa, com Xaviera e Manduca. Porém, Pajeú estava mais focado na mãe de Tertulinho. Mesmo conseguindo escutá-la reclamar de tudo de onde estava sentado, Deodora estava mais linda do que nunca, como se fosse possível. Ela deveria ter ido ao casamento somente por orgulho, pois já tinha dito diversas vezes que José Mendes queria acabar com sua vida e sempre fazia questão de mostrar o quanto odiava Candoca. Por motivos bem diferentes dos dele, ela também queria ser incluída no evento.
Ainda por cima, levou Vespertino como acompanhante. À sua frente, escutou comentários de Latifa e Nivalda - ele pensava que elas e Deodora eram amigas; se fossem, então os poderosos da cidade tinham uma definição estranha de lealdade. Elas estavam falando sobre Deodora estar amancebada com Vespertino, o que Pajeú se recusou a acreditar. Não estavam juntos, não eram um casal. Pajeú tinha ido embora, sim, mas eles não tinham terminado. Pelo menos, ele esperava que não. Não se falaram desde a briga, e ele sentia medo de perdê-la toda vez que olhava para o lado e a encontrava conversando com o agiota. Sem querer aceitar que algo estivesse acontecendo entre os dois, mas cheio de inseguranças, Pajeú se segurou e engoliu o ciúme, observando-os de longe.
Enquanto isso, Deodora bebia de seu espumante, desejando que tivessem alguma coisa com mais álcool para que pudesse passar o tempo. Animado, Vespertino se aproximou, dançando meio desajeitadamente. "E aí, bora?" Ele perguntou, acenando com a cabeça para a banda.
Colocando a taça na mesa, ela o encarou. Não era possível que ninguém pensasse direito naquele lugar. "Vespertino, por acaso eu tenho cara de ficar me sacudindo em público com esse bando de matutos?"
"Mas tá todo mundo dançando!" Ele tentou convencê-la; tinha esperado dez anos por uma chance com Deodora, e agora era provavelmente seu melhor momento.
"Porque esse povo adora uma festa, pra comerem alguma coisa mais refinada!" Gesticulou, como se para esclarecer seu ponto. Pão e circo. Tudo acabava e política. "Eu, como tenho o mínimo de dignidade, não vou me rebaixar a esse nível."
O agiota não desistiu, chegando perto dela. "Só que vão falar que tu é a única pessoa que não tá gostando daqui." Ela abriu a boca para reclamar que realmente não estava gostando de nada na festa, mas Vespertino foi mais rápido. "E você vai poder provar que é melhor do que todo mundo só de ir lá fora, que tu vai chamar atenção. Impossível não olhar para você." Ele lhe ofereceu a mão. "Só um forrozinho, vai?"
Deodora fitou a mão estendida por alguns instantes, antes de aceitá-la, com uma expressão confiante no rosto. "Pois eu sou muito melhor, mesmo." Se levantou e, de braços entrelaçados com os dele, acompanhou Vespertino ao forró. Iria mostrar para esses caipiras o que era um verdadeiro arrasta-pé.
Até que Vespertino não era tão ruim assim. Ele também não era o maior pé-de-valsa do mundo, mas tinha molejo e sabia liderar uma dança - a única coisa que ela o deixaria guiar na vida. Os dois nunca teriam nada, ela era areia demais para o seu caminhãozinho, mas gostava de conversar e ser entretida por ele. Vespertino fazia de tudo por ela. Além disso, Deodora adorava forró, lhe trazia memórias reconfortantes. Ao menos, estava se divertindo pela primeira vez na festa.
Se juntando à multidão, ela sentia os olhares surpresos em sua direção. Acenou para Aleluia, sua comparsa e melhorar aquela prefeitura para um local mais feminino, que devolveu o gesto com um sorriso; Latifa e Nivalda foram falar com seus maridos, fingindo que nem a viram, mas ela notou as duas cochichando antes - apostava que Quintilha também estava fofocando, onde quer que estivesse -; do outro lado, cruzou contato visual com Tertúlio, ainda com a pastora (não por muito tempo, tinha certeza). Ela sorriu com prepotência, fazendo-o lhe dar as costas, o que só aumentou seu egp; Se fosse falar a verdade, tinha sentido falta de estar sob os holofotes. De estar no controle. Mais uma vez, Deodora tinha Canta Pedra na sua mão.
Estava tão imersa nessa sensação familiar de poder que só percebeu alguém se aproximando quando já estava perto demais. Pajeú parou atrás de Vespertino, o assustando com sua presença e as mãos colocadas em seus ombros. "Ei, Pajeú, que é isso?" O agiota reclamou ao ser empurrado, se virando para ela em busca de apoio. "Deodora-"
"Só um forró, foi tu que disse. A música já acabou, abestado." Ela cruzou os braços, rápida em mudar de lado. A canção realmente havia acabado, e a banda começava outra de seu repertório. "Vá simbora, vá."
"Mas-" Vespertino olhou de um para o outro, querendo argumentar mas sem conseguir. Pajeú o encarava de cara fechada, enquanto Deodora assistia a tudo como se fosse sua novela - essa mulher gostava de criar uma confusão. Com medo de morrer pelas mãos do jagunço, e acovardando à ameaça de embate direto, ele riu de nervoso, se afastando. "Pois então eu já vou indo. Tchau, viu, Pajeú? Deodora, você fez meu dia, como sempre!" Até beijaria a mão dela, mas tinha amor próprio à vida, então somente saiu de perto dali o mais rápido que podia.
Observando-o ir embora, Pajeú colocou um braço pela cintura de Deodora, se voltando para ela, que já estava olhando-o. "A dança foi boa?" A sua voz era sarcástica, como toda vez que lançava suas indiretas.
Isso a fez rir quase em escárnio. "Foi, sim. Vespertino dança bem, sabia?" Ela provocou, parecendo se divertir com a situação. "Tu tá com ciúmes, é, Pajeú?"
Ele não respondeu; mesmo assim, sua mão não saiu do lado da cintura dela. "Vamo dançar, vamo?"
Deodora ergueu as sobrancelhas, pega desprevenida. Automaticamente na defensiva, ela segurou o braço dele, pronta para falar que não, era melhor deixar para outra hora, ou talvez até mesmo desprezá-lo e sair dali. Em vez disso, olhou em volta novamente: tinha a atenção geral, ainda que disfarçarem, porém era uma energia opressora agora. Um matador, ainda que aposentado, era bem diferente do aproveitador de Vespertino. Se pudessem, estariam apontando dedos e a julgando. Que julgassem, ela era superior a todos e quem não soubesse disso era um ignorante. A opressão vinha dela, não o contrário.
Foi então que ela percebeu que, de toda aquela multidão, a única pessoa em que realmente confiava era Pajeú.
Soltando o braço dele e apoiando uma mão sobre a dele, e a outra em seu ombro, Deodora sorri para o seu jagunço. Seu companheiro. "É bom que tu saiba dançar, viu?" Dessa vez, Pajeú sorriu de volta. Não era como esperava ter sido incluído nesse casamento, mas não estava reclamando.
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Forró
FanfictionMais uma cena perdida do casamento, com um ou dois diálogos levemente adaptados do capítulo. Tem um pouco de Vesperdora e Pajdora, amo os dois.