A menina rodopiava, cantarolando uma canção há muito perdida. Ela não sabia que dançava sobre as cinzas de sua espécie. Uma fumaça morna subia das narinas de Mygenarth, que observava deitada sua protegida com tranquilidade. Na verdade, Mygenarth não saberia dizer com precisão se ali era de fato onde humanos pereceram, mas bem capaz de ser. Humanos eram como baratas assim que ela despertou, pelo menos, há 50 anos atrás, mas tinha passado eras adormecida:
- Quem diria que esses ratinhos fariam tanto estrago? - pensou em voz alta, chamando a atenção da pequena Prucaryn.
- O quê?
- Nada não, meu bem, continue.
Prucaryn deu os ombros e continuou a brincar, com todo o tempo e despreocupação do mundo. Mygenarth sorriu: filhotes. Não importava qual era a espécie, nada os abalava. A menina observava curiosa o prédio em ruínas a sua frente, as antigas paredes de tijolos chamuscadas, vergalhões enferrujados e retorcidos, cabos oxidados, vidro moído, tudo misturado ao verde que brotava da terra abaixo e ganhava todo o lugar, sem humanos para lhe limitar.
Alguns animais pequenos, como pequenos macaquinhos, preás, saruês e desde passarinhos de várias cores a pássaros maiores como araras e carcarás nas árvores ou no ar complementam a paisagem em ruínas chamuscadas e bucólicas. Por mais que a pequena humana quisesse se aproximar deles, não o faziam. Não por medo de Prucaryn, mas sim de Mygenarth, a suprema predadora dali. Mas a dragão estava satisfeita e não faria nada contra aqueles bichos menores, pois não representavam nenhum perigo para sua protegida e nem serviam como tira gosto para se alimentar.
A dragã está em absoluta paz. Ficou satisfeita em perceber como a natureza voltava a florescer por todo lugar onde não havia sangue derramado nem seres que depredavam por egoísmo, tirando mais do necessário para cada um sobreviver. Mygenarth pode ter tido suas dúvidas no começo e aquela paz havia lhe custado um preço muito caro, mas agora podia dizer que não tinha arrependimentos. Sua missão foi cumprida e a vida natural iria prosperar, como tem que ser. Até mesmo a espécie de Plucaryn merecia viver naquele planeta, pelo menos, sua pequena merece. Ela não tinha culpa pelo que seus antepassados fizeram ao próprio lar.
- Mãe?
Abriu os olhos e lá estava a filhote de humano sobre seu focinho. Mal havia percebido em como aqueles mãozinhas frágeis de carne macia haviam lhe escalado as escamas duras.
- Diga-me, meu bem.
- Todos esses bichos... e nenhum como eu!
Mygenarth piscou.
- Tem esses pequenos macaquinhos aqui, já vi uns maiores até, aqueles que você diz que não devo me aproximar deles...
- E não deve mesmo.
- São meios parecidos comigo, não?
- Ora, menina! - replicou a dragão em tom de gracejo, mas escondia a preocupação - Claro que não. Para começar, você não é tão peluda assim...
- Sim, mas... onde estão os que são como eu? Todos os bichos têm seus iguais. Veja, aqueles preás. Tem vários deles ali. Como aqueles canários da terra do outro lado. Você até me disse que os que têm penas laranjas na cabeça são meninos e os que tem penas verdes são meninas. Aquela saruê grande tem vários pequeninos agarrados em seu pelo. Até os macaquinhos vem aos montes nos galhos. Mas por onde eu olhe, não nenhum bicho igual a mim!
- Não pense nisso, criança.
- Mas até já vi outros dragões que nem você!
Mygenarth ajeitou as patas traseiras, desconfortável.
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Até a Última Cinza
Short StoryApós duas grandes guerras, uma de dragões contra humanos e a outra de dragões contra dragões, Mygenarth - A Sentinela do Refúgio - só quer viver dias tranquilos, com sua filha humana Prucaryn. Porém, o surgimento de um neo-berserker pode colocar fi...