NAQUELA BARULHENTA noite festiva, deu-se início à gravação:
— A partir deste momento, começarei o interrogatório dos principais suspeitos do homicí-
Proveniente de um dos três algemados posicionados do outro lado da mesa central, a mulher elegante na pequena sala sem janelas foi interrompida por um dissonante rangido metálico.
— Foi mal — Com o rosto coberto de uma purpurina que oscilava entre diferentes tons de azul, conforme a pálida luz fluorescente angulava a saliência de suas bochechas, o garoto do meio acusou-se de ser o responsável pela interferência. — Pode continuar... moça.
Embora o olhar austero tenha endireitado a postura do jovem azulado em sua cadeira ruidosa, a dama em vestes formais absteve-se de qualquer repreensão. Após limpar a garganta, apertou alguns botões do gravador em sua mão, despachou-o sobre a mesa e retomou a explicação:
— Estou dando início ao interrogatório dos três principais suspeitos do homicídio ocorrido em meio às comemorações de hoje.
Diferente do ruído das algemas anteriormente, a incessante percussão da caneta sobre o bloco de notas em branco não parecia representar uma fonte de incômodo para a mulher concentrada.
— Alguns transeuntes relataram ter avistado os indivíduos próximos à cena do crime, e esses depoimentos foram corroborados por imagens obtidas pelas câmeras de segurança na área. A vítima, por sua vez, foi empurrada da parte superior de uma alegoria em uma área sem cobertura das gravações, o que inviabiliza a identificação dos autores do delito.
Ao fim da exposição dos fatos sabidos, seguiu-se o que pareceu um longo tempo.
A persistente batida sobre o bloco de notas reverberava em harmonia com a energia musical em segundo plano, que, unindo-se aos cativantes gritos animados, evocavam a sinfonia completa de uma fervorosa noite de folia.
Os três algemados, porém, não cediam ao convite cortês do tamborilar ritmado. Sob a vigilância de um olhar condenatório, qualquer falha mínima seria decisiva para o firme martelar do veredito.
No entanto, como a mulher lançaria sentenças se um culpado ali sequer havia?
— Senhora, por favor, eu jamais faria isso a alguém — O balançar das penas verdes no adorno, para lá e para cá, seguiam o mesmo movimento frenético da cabeça do suspeito sentado à esquerda, uma vez que, sem manchas ou máculas, negava com convicção.
— Eu só quero ir embora, querida — A suspeita que se encontrava à direita, talvez notando que nada tinha dito até então, despertou seus cachos rosados ao curvar o queixo, a fim de contra-atacar o semblante gélido com um tenaz olhar atrevido.
— Moça! — A mesa refletiva assemelhava-se a um céu de estrelas azuis enquanto o suspeito do meio, agora buscando se eximir da culpa maior, inclinava-se em direção à inabalável mulher sentada à sua frente. — Eu não fiz na-
Apenas uma caneta erguida.
Nenhuma outra ação se fez necessária para silenciar o jovem que argumentava com veemência em sua própria defesa.
A quietude repentina fez ecoar o samba-enredo no espaço confinado, compondo a trilha sonora para a mulher irredutível proferir sua determinação:
— Permitam-me elucidar um ponto...
Os olhos impassíveis, certos de seu domínio, moveram-se para a direita:
— Não "querida".
Frios e afiados, deslocaram-se para a esquerda:
— Não "senhora".
Impenetráveis, voltaram-se para o centro:
— Nem "moça".
Por fim, como se em pleno voo, o olhar aguçado alcançou os três indivíduos de uma única vez:
— De agora em diante, refiram-se a mim como Detetive Mors.
E silêncio.
A Detetive não precisava de mais confirmações para concluir que os suspeitos haviam compreendido o esclarecimento. Afinal, não lhes foi concedida nenhuma outra alternativa.
— Prossigamos — decretou Mors, a caneta retomando sua batida constante. — Atendendo à solicitação das autoridades policiais, que reconhecem a eficácia dos meus... procedimentos, determinarei, nesta mesma noite, a verdade sob cada inocência proclamada.
Um ínfimo meio sorriso.
Quais outros métodos seriam imprescindíveis para que os acusados entendessem que nenhum segredo poderia ser mantido oculto naquela diminuta sala branca?
Como Mors bem sabia, somente aquilo bastava.
— Digam-me, então, quem era a garota do batom vermelho?
Com a inquisição, a caneta pôs-se de pé sobre o bloco, atenta a qualquer minúcia fugaz.
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O Batom Vermelho, Três Suspeitos E Detetive Mors
Short Story🥇PRIMEIRO LUGAR no desafio 18 do perfil WattpadSuspenseLP 📢 Conto selecionado para a ANTOLOGIA ELEMENTAR DETETIVE do perfil oficial WattpadSuspenseLP Um crime. Três suspeitos. O batom vermelho. Tal como Mors sabia, era o suficiente. Um crime? Três...