Um gemido de frustração escapa de meus lábios e lembro-me da maldita máscara que havia esquecido em casa. Há algum tempo atrás, o COVID-19 ficou bastante conhecido - infelizmente, não por uma boa causa.A minha vida que costumava ser convulsionada, inquietou-se do dia para a noite.
No início pensei que com o tempo que ficaria em casa, por conta da pandemia, poderia avançar com a minha exposição de quadros e buscar novas inspirações. Foi exatamente o contrário. Nesses últimos dias, tenho me deparado com uma certa ansiedade.
Ansiedade é normal, todos nós temos. Devemos nos preocupar quando tocamos no assunto de ansiedade elevada, em um nível que nos faz mal ou que não conseguimos controlar.
Ligo para a minha mãe diariamente. Depois da morte do meu pai, nos aproximamos ainda mais um do outro. O medo nos aproximou. A ideia de que poderia acontecer alguma coisa com ela me assombrava, eu nunca me perdoaria. Não consigo imaginar uma vida sem ela.
Agora, 10 meses depois, o COVID-19 ainda permanece entre nós. Já podemos sair normalmente de casa. Os jovens voltaram a ter aulas presenciais, pois no inicio da pandemia as aulas passaram a ser inseridas por forma de EAD - Ensino a Distância.
Todos os estabelecimentos exigem uso de máscara cirúrgica para realizar entrada. Para fazer uma viagem para fora do país é necessário um teste dado como negativo para o vírus.Muitas pessoas pensam que tudo está normal e com apenas algumas mudanças temporárias. Mas será mesmo?
Um vírus que matou e mata pessoas diariamente, vai simplesmente ser derrotado? Eu sinceramente acho que isto pode estender-se para a geração futura. Lógico que, com o tempo, pode ir diminuindo os casos, mas acho pouco provável.
Fui tirado de meus pensamentos quando um rapaz, jovem tal como eu, me chama a atenção.
— Oi, desculpe. — chamou ele, juntamente com um leve toque em meu ombro. Ele é alto, mais alto que eu, estava por volta dos seus 1.80 cm. Cabelos ondulados em um tom quase exagerado de laranja-avermelhado, mas ainda sim, atraente. Sardas, céus, muitas sardas. Olhos castanhos escuros fazem contraste com a pele clara. Roupa casual, parece ser o tipo de pessoa que liga mais para o conforto em si, e não para a aparência — Sua mochila está aberta, era só para te avisar.
— Ah, claro. — para literalmente todos os lugares que vou, carrego minha mochila. Dentro dela trago um estojo com canetas e marcadores, um caderno de anotações e a minha máquina fotográfica. Uma das coisas que aprendi na faculdade e que vou levar para a vida toda, é que algumas inspirações são temporárias. Então sempre que vejo algo significante, atraente ou que me traz uma boa energia, eu tiro uma fotografia para não me esquecer de tal, e usar como referência em algum quadro — Obrigado por avisar.
Ele apenas acena com a cabeça. Não consigo distinguir se está sem saber o que dizer, se está se esquivando de uma maneira de não trocarmos mais nenhuma palavra, ou se está envergonhado. Difícil de decifrar suas expressões faciais.
Volto minha atenção na fila de pagamento em que me encontro pois a atendente me chama como o próximo cliente. Paguei o meu livro e, antes de sair, olhei para trás novamente buscando o rapaz que estava atrás de mim na fila. Me concentrei em apenas no livro que carrega consigo, a capa bem chamativa, com princesas desenhadas. Certo, livro infantil. A atendente embrulhava em uma embalagem de presentes e a seguir ele paga.
Quando virou-se para ir embora, nossos olhares se cruzaram. Olho para o lado em busca de outra coisa para me concentrar, estava com vergonha. Ele pareceu não ligar, seguiu andando para um destino que nunca vou saber qual será. Vejo que agora, antes de entrar em outra loja, ele coloca a máscara, escondendo aquela face airosa que eu havia visto momentos atrás.
Há lugares que não precisam do uso da máscara, basicamente pelo espaço do estabelecimento ser devidamente grande e ter mais acesso à circulação do ar. Em lugares pequenos com uma certa quantidade de gente, é necessário obrigatoriamente, devido à aglomeração.
Volto para casa. Às vezes esqueço de como ser um jovem independente é exaustivo e solitário. Sinto falta de chegar e ser envolvido pelos braços de minha mãe. Contar como foi o meu dia para ela, comer a minha comida preferida feita por ela, fazer programinhas monótonos, tipo ver um filme ou jogar cartas, mas que para nós nunca perdia a graça.
Essa semana há de chegar às telas que eu encomendei. O rendimento da minha última exposição foi um espetáculo! No início era presencial e eu fiquei desanimado quando a galeria de arte teve que fechar as portas. Mas minha mãe sugeriu uma ideia genial de fazer isso virar uma oportunidade de atrair ainda mais público. Fizemos muitos cartazes e colamos próximo a galeria, já que a mesma é um lugar muito frequentado. Divulgamos muito no Twitter e no Instagram. Com ajuda do meu assistente, criei o meu próprio web site e postei fotos de todas as artes que estavam sendo expostas antes de tudo isso acontecer. Cobrei por um valor justo para mim e para os apreciadores da arte e tudo saiu como esperado.
No início achei que não fosse funcionar. Pensei que a maioria dos meus clientes antigos não gostariam muito de ter que apreciar as obras via internet, mas, antes ver pela internet do que ficar sem ver. Já que é a nossa única via no momento.
Depois desse experimento que deu certo, fiz mais outras duas exposições. Uma sobre a liberdade de expressão e a outra sobre o COVID-19.
Sim, sobre um vírus. Foi com a intenção de através da arte mostrar o que as pessoas que perderam outro alguém sentiram e sentem, para reconfortar e saberem que não estão sozinhas, e no fundo também homenagear as que partiram.
Virou um sucesso. Muitos artistas passaram a seguir o mesmo exemplo e começaram a fazer exposições online. Eu tive um ótimo rendimento, não só com as assinaturas para a apreciação, como também com às compras dos quadros. Todos foram vendidos. Eu fiquei muito conhecido por causa da exposição online, tanto que uma jornalista veio fazer uma entrevista comigo. Contei sobre o meu passado e de como cheguei até aqui, contei sobre como surgiu a ideia da exposição via internet. A jornalista sorriu, quando eu comecei a contar o quanto o apoio da minha mãe e a ideia dela foi e continua sendo importante pra mim.
Todo artista é conhecido, mas a sua obra se sobressai. Quando pensamos em um artista, imediatamente vem alguma de suas artes em nossa mente. Por exemplo Leonardo da Vinci e a Mona Lisa. Muitas pessoas acham que o autor merecia mais reconhecimento que a obra devido a dedicação e empenho. Eu discordo.
O autor tem história, a obra faz história.
Coloco a janta para aquecer no microondas e vou checar alguns e-mails. Felipe — meu assistente — mandou email me comunicando sobre a queda do meu web site, mas ressaltou ser uma queda breve por conta do número de acessos ao mesmo tempo, mas que já havia resolvido.
No início, queria fazer tudo sozinho. Sem assistência, sem críticos e sem apoio. Mas é muita responsabilidade, não tenho tempo e paciência para administrar com o devido cuidado que essas coisas requerem. Eu tenho como pagar todos eles, aliás.
Quando percebi que há pessoas que realmente gostam do meu trabalho, que pagam pelo meu trabalho, vi que estava na hora de arranjar uma equipe de confiança. Eu demorei para perceber, na verdade. Para mim, as pessoas não gostavam do que faço, e sim desprezam. Sempre fui inseguro em relação a isso, mas com desabafos diários com a minha mãe, foi como várias sessões de terapia. Ela me provou que eu estava errado em relação à eu mesmo.
Hoje tenho tudo isso. Apoio da minha mãe e dos meus amigos. Felipe, meu assistente. E... espere! Acabei de me lembrar que meu antigo crítico de arte teve que sair do país, para morar fora. Ele havia comentado comigo.
Pego um copo e deposito o suco. Me dirijo a sala com a janta — pizza aquecida que sobrou do almoço.
Não tenho dotes culinários, faz parte. Não podemos ser bons em tudo.Preciso procurar um Crítico de Arte de confiança para trabalhar comigo daqui em diante, mas quem?
Início a minha pesquisa enquanto mastigo mais um pedaço de pizza.
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we are art.
RomanceUm romance entre Luke - o artista - e Klaus - o crítico de arte.