Depois da Tempestade, nasce uma Árvore

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1

     As dobradiças enferrujadas reclamaram quando o Lenhador abriu e fechou a porta. Calçou as botas tratoradas. Puxou o zíper do colete marinho até o queixo. Vestiu o surrado gorro verde musgo. Estralou a coluna beirando a metade dos 30 e deu o primeiro passo no chão de lava do outono.

     Pegou o machado que pesava a história de uma geração inteira. Os primeiros raios de sol ricochetearam no fio da lâmina gasta, porém, afiada como navalha. Enrolou cinco metros de corda grossa, a passou pelo braço e pescoço — cruzada sobre o peito.

     Acariciou as árvores perto de casa enquanto rumava para cortar as afastadas. Pegou uma de suas frutas, comendo durante a caminhada.

    Se afastara bem. Terminou de comer e jogou os restos no solo, perto de um galho com folhas jovens crescendo. Seguiu o canto que voava por cima da cabeça. Dois pássaros pousaram na árvore ao lado da escolhida.

    O Lenhador cumprimentou as aves com um aceno lento. Ergueu seu machado e acertou o tronco áspero e seco que caiu na terceira machadada. Por fora, seu tronco era robusto, mas por dentro ficava oco.

      — Madeira! — exclamara para os olhos curiosos da floresta.

      Girou o machado na mão. Cortou o tronco em lenhas e amarrou tudo junto. Pegou uma fruta que caíra madura e a comeu no caminho à Vila perto de casa. Jogou o bagaço no solo quando viu as fumaças das chaminés e fogueiras. Desceu o morrinho que dava para a “cidade” na floresta, fincando os pés na terra para não derrapar com as lenhas.

      Homens jovens e velhos fizeram filas para comprar suas lenhas. Um sempre ficava de fora, observando de longe com a cara fechada como um dia de chuva; gritava para eles.

       — Vila, ouçam-me! Este homem a cada dia tira ainda mais nossa proteção, não veem?

      — Que besteiras está falando? — um homem gritou, trocando suas moedas por lenhas — Ele é quem nos traz lenhas para nos aquecermos no frio.

      — Sim, é verdade — o Protestante admitiu, mas não abaixou a cabeça. — Também é verdade que as árvores que ele tira dia após dia nos farão falta. Dias ferventes e ondas por sobre a terra estão por vir. Por favor, Vila, ouçam-me!

      A Vila o ignorou. Compraram suas lenhas e se espalharam pelos comércios. O Protestante bateu os pés, apontando para o Lenhador que recolhia sua corda.

      — Ouça-me, Lenhador.

      — Estou ouvindo — assegurou do outro lado da rua.

      — O que digo é verdade — ergueu as sobrancelhas, olhando para ver se mais alguém o ouvia. Ninguém deu atenção. — Vi tudo com meus próprios olhos na minha vila antiga.

      — Vamos ficar bem — o Lenhador encerrou, colocando o machado sobre o ombro.

      Deu as costas, subindo o morro de volta para casa. Pois a tempestade se anunciou com seu trovejar intimidador.

      — Ondas por sobre a terra! Ondas por sobre a terra! — o Protestante berrou, saltando e apontando para o horizonte cinzento.

      Uma mancha de um cinza sombrio se aproximava, avisando seu paradeiro em trovoadas; festejando sua chegada com relâmpagos mais brilhantes que fogos de artifício.

      O Lenhador desviou os olhos. Continuou subindo, e o Protestante continuou berrando pelas suas costas. A Vila seguiu seu rumo, sem olhar para o céu.

2

                                           
      A tempestade mandou um recado ao anoitecer. Despejou sua água gelada, uma gota por vez caía abrindo rasos buracos entre as folhas alaranjadas. Gota por gota, uniram-se em água de beira de mar. Rasa, inofensiva. Perderam a pouca força quando encontraram em seu caminho árvores robustas e a casa do Lenhador.

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