10.04.19
— Boa noite.
Era o início de uma noite de verão. O sol já havia abandonado esse lado do planeta já há algum tempo. Especialmente em um ponto de ônibus antigo e quase esquecido pelo mundo, um jovem se encontrava aguardando sua condução quando o silêncio foi quebrado repentinamente.
Júlio, que enquanto esperava, estava em transe com o celular aberto em uma rede social, desgrudou seu olhar dali e procurou de onde vinha aquela voz grave. Logo constatou que era um velho que sorria para ele, parado ao seu lado. Como não o havia notado antes? Na primeira olhada, poderia jurar que seus olhos eram amarelos e brilhantes como os de um gato, mas já estava escurecendo e a penumbra quase tomava conta aos poucos, vencendo a iluminação fraca do pequeno poste, há muito sem manutenção. Além disso, poderia ser sua vista cansada depois de fixar tanto na tela de seu aparelho.
— Boa noite — Repetiu o sujeito, agora que sabia ter a atenção do outro voltada para si. Além de grave, sua voz era baixa e saía lenta, quase arrastada, mas, mesmo assim, era extremamente fácil de ser escutada. — Vai para o centro da cidade?
O jovem se irritou um pouco com essa mania que têm as pessoas mais velhas de conversar com estranhos em locais públicos – mesmo que praticamente isolados da cidade, como era o caso – mas respondeu com educação um curto "sim" e um breve sorriso forçado, voltando avidamente seus olhos para a tela brilhante.
— Ah, que pena. Vou para outro lado. — respondeu o velho, parecendo um tanto decepcionado pelo seu tom de voz. Em seguida, acrescentou, ainda com um sorriso largo: — É uma bela noite para uma caça, não acha?
Ao escutar essas últimas palavras, Júlio franziu levemente as sobrancelhas e fitou o indivíduo novamente, agora com mais atenção. Percebeu, então, que ele nem era tão velho assim. Parecia ser um homem de meia-idade, apesar dos fios grisalhos, alto e magro, mas de aparência frágil. Segurava uma bengala simples com graça e certa elegância, e usava um casaquinho preto desbotado e um chapéu-coco da mesma cor, que fazia uma pequena sombra em seu rosto. Percebeu-se imaginando uma figura dessas tentando caçar algum animal e quase caiu na tentação de rir. Porém, logo conteve-se e respondeu:
— Não sei, nunca me interessei por isso. — E por que ainda estou respondendo a esse maluco? Pensou ainda.
— Pois devia, meu jovem. É muito divertido... — Disse o homem, os olhos cintilando, vermelhos como pimenta fresca.
Espera, vermelhos? O jovem piscou rapidamente algumas vezes e olhou novamente. Castanhos. Isso, seus olhos eram castanhos. Acho que ando virando a noite e assistindo filmes demais, pensou Júlio, esfregando suas pálpebras e guardando o celular, quase rindo de si mesmo, devido seu leve nervosismo.
O homem ainda sorria bobamente.
Júlio sentiu um calafrio totalmente involuntário e pensou, por um momento nervoso, nos tais filmes que costumava assistir. Era, no mínimo, engraçado como o ambiente ao seu redor agora lhe parecia um cenário de filme de terror: um ponto de ônibus malcuidado e quase deserto, abandonado até mesmo por insetos naquele momento. Excessivamente silencioso. Não havia muitas casas por perto e ficava cercado, de um lado da estrada estreita, por um matagal alto, que se perdia de vista, e do outro, um lago que parecia um grande espelho. Irônico, para dizer o mínimo.
Não conseguia evitar – nem mesmo explicar o motivo – mas este homem estranho e com o ar de alguém muito velho lhe deixava tenso.
E, nesse tempo todo, o mesmo continuava sorrindo.
Passado algum tempo de silêncio denso, que parecia muito, mas talvez fosse apenas uns 5 minutos, o ônibus enferrujado que Júlio esperava finalmente chegou. Ele logo virou-se para o sujeito ao seu lado e disse, rapidamente:
— Bom, chegou meu ônibus. Boa noite.
— Boa noite, meu jovem. Divirta-se... — Novamente, os olhos do homem velho pareciam cintilar na penumbra.
Júlio quase tropeçou no degrau e entrou. Sentou-se enquanto a condução já se mexia. Suas pernas pareciam ter levado uma descarga elétrica e seu coração parecia um tanto agitado dentro de seu peito. Olhou pela janela. O velho, já um tanto distante, parecia continuar sorrindo e ainda olhava diretamente para ele, mesmo que estivesse abrigado dentro do veículo antigo. Trêmulo, o rapaz pegou seu celular e riu nervosamente de alguma piada naquela mesma rede social de antes.
O ônibus fez uma curva e o ponto, assim como o velho, desapareceram de sua vista...
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Olá, humaninhos 👻 (juro que não é deboche, tenho mania de usar muito o diminutivo)
Escrevi essa história tem uns anos (a data ali em cima) e somente agora resolvi jogá-la para o mundo. Desde então fiz alguns acréscimos no texto, mas tentei manter sua essência.
Espero que tenham gostado 🖤
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O velho
Bí ẩn / Giật gânSinopse: Um ponto de ônibus distante e quase abandonado é o cenário dessa história breve. O resto, talvez você possa imaginar... **Atenção: se encontrar essa história em algum outro lugar, não é minha, somente neste perfil. PLÁGIO É CRIME! **