Pedaços de Carne

Introdução

Não somos nada diferentes dos animais mortos e expostos em todos açougues e mercados, estamos a venda e a única diferença é que pedimos preços diferentes por nossa carne.

Pedaços de carne ambulantes e sem significado, era assim que o Evento via cruelmente todos que entravam em suas portas e eram aprisionados na sua sede. Jaulas repletas com joias e tapetes caros, tudo para lembrá-los o que o ser humano realmente endeusava: o dinheiro puro.

A maior parte da grande sociedade já entendia isso com clareza, lutaram tanto para chegar na posição que estavam que tudo não passava mais ter sentido. Dinheiro a mais e dinheiro a menos não iria mudar suas vidas ou o modo que pensavam, tinham caído na triste rotina onde sorrir para câmeras e encenar uma vida feliz era suas preocupações.

Mas no dia 29 de Agosto todos os anos na pequena cidade de Siena, os demônios eram liberados e todos participantes do Evento tinham poder total de derrubar suas máscaras e agirem do jeito que quisessem... Passavam o ano todo esperando pelo famigerado dia, pela almejada liberdade de ser quem nasceu para ser, nada a mais e nada a menos.

A cidade andava obscura nos últimos meses, a família Katsaro era o pilar que fazia as coisas girarem na pequena Siena, a empresa de móveis eram conhecida mundialmente e gerava emprego para quase todos os habitantes. Todos tinham uma dívida eterna com aqueles.

Tudo virou de cabeça quando o filho mais novo dos Katsaro, Jullian, foi sequestrado em uma tarde tranquila de 10 de Agosto.

Sem deixar rastro ou pistas, Jullian aparentemente saiu para andar de bicicleta perto do bosque da rodovia e simplesmente sumiu, deixando a família e os moradores desesperados a sua procura. O detetive dirigido ao caso foi Andrea Luca Mancini, um jovem promissor que tinha os melhores números da delegacia.

Mas nem mesmo com a ajuda de todos os detetives juntos e todo o departamento da delegacia, os moradores da cidade procuraram por todos os lados, levantaram pedra por pedra e passaram noites a fio procurando por Jullian tendo resultados sem respostas.

Ele simplesmente havia sumido.

Os administradores do Evento se mantiveram ansiosos e inseguros em realizar as vendas naquele ano, toda atenção da policial estava em Siena. Um encontro de canibais da alta sociedade em uma cidade vigiada, o que podia dar errado?

Mesmo indo contra todos os alertas, o evento estava acontecendo e carros luxuosos não paravam de chegar na propriedade privada, trazendo empresários e filantropos de todo o estado.

Uma plateia de pessoas de todo país se reuniu no grande salão da Sede, ignorando o cheiro forte de feno e se servindo com champanhes caros. O pequeno palco estava montado à frente de todas aquelas mesas e cadeiras, não se importavam nem ao menos em esconder suas identidades atrás de máscara e disfarces, a ocasião era tão sigilosa que nem ao menos o governo tinha conhecimento sobre o que rolava ali naquela noite, nas monstruosidades feroz de dias antes...

A locutora subiu ao palco, sua mão enluvada tomou ao redor do microfone e o tecido regido rangeu ao ser apertado contra o objeto. Todas as vozes cessaram rapidamente, atentos e ansiosos pela grande apresentação da noite, pelo momento que a fera podia ser solta.

— Meus caros convidados, todos nós do Evento ficamos honrados em recebê-los mais um dia aqui, na nossa comemoração anual. — A voz era doce e afiada, como um lindo e mortífero punhal. Sua cara era estranhamente caricata, como uma boneca russa com as bochechas exageradamente pintadas do tom mais rosa possível. — Hoje temos uma novidade para vocês e o leilão irá começar com uma oferta relâmpago.

Tensão se espalhava no ar deixando tudo mais quente, o que de mais profano e repugnante poderia ser adicionado a aquela noite? Mãos se fecharam com força no braço de suas cadeiras, sedentos e quase salivando para os próximos segundos. Pessoas desumanas, abdicaram da piedade e compaixão anos atrás quando decidiram dar voz ao sentido animal em suas peles.

Dois homens completamente nus com as costas flageladas adentraram o palco, trazendo uma grande caixa preta. O objeto foi posto no chão e os dois fizeram uma breve reverência antes de sair, passos rápidos e precisos como se estivessem tão apavorados a ponto de não se lembrar como andar. Seus rostos eram cobertos por uma máscara de couro preta, impedindo ver além de olhos claros e desesperados.

A locutora se aproximou retirando a tampa da caixa, o barulho da madeira entrando em um impacto com o chão foi alto e a plateia pulou assustados, rindo depois sem graça pelo nível da futilidade.

De dentro da caixa um braço humano decepado foi retirado, estava enrolado em um saco plástico e os cortes eram tão precisos que chegavam a ser cirúrgicos. Uma pulseira de tecido com as cores de uma abelha estavam no pulso, era tão fino e pequeno que não podia ser de alguém com mais de 15 anos, marcas de arranhado indicavam a luta cruel que se teve momentos antes de sua morte.

— Qual a primeira oferta para o braço de Jullian Katsaro?! — A locutora perguntou abrindo um sorriso diabólico com a voz derretendo tão doce quanto mel, a cena a sua frente foi gloriosa, adultos pulando e jogando suas cadeiras para trás, gritando e jogando dinheiro para conseguir a primeira leva. — Oh... Eu ouvi só 500 mil dólares? — choramingou decepcionada.

Uma sociedade de canibais de baixo dos olhos de todos, mas ninguém conseguia ver ou simplesmente não queriam.

Animais brutais que não tinham pena nem mesmo de uma criança, quebrando totalmente a dívida que tinham com os Katsaros ou qualquer humanidade que um dia tiveram.

Para os polícias e o resto dos habitantes o Evento poderia sair impune pelo assassinato de Jullian, mas para o detetive Andrea não.

Ele estava perto de descobrir e iria caçá-los até o inferno. Os dias da sociedade de canibais estavam contada, iriam ser severamente punidos com uma grande carnificina e quando Andrea acabasse, não iriam passar de pedaços de carne.