V - Irmãos

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O cavalo resfolegou assim que seu cavaleiro desceu da sela, e o príncipe não se importou de puxá-lo em direção à margem do lago com truculência. Precisava escapar daquele castelo, mesmo que fosse para um galope matinal, acompanhado de um incômodo e inapto cavalariço. Na verdade, não tinha demorado a deixá-lo para trás, em um ritmo que sabia que apenas seu corcel era capaz de fazer. Ao parar, desceu da sela e amarrou as rédeas do animal ao tronco de uma árvore seca, acariciando-o.

Sebastian suspirou, olhando para o céu límpido, o pequeno lago que permanecia em paz, com suas águas mansas e a vegetação rasteira ao redor. Ressentia-se por fugir naquele momento do caos que estava seu reino. Seu reino, era até engraçado pensar como tal, por mais que sempre ouvisse a linha de sucessão, jamais teria imaginado que tais responsabilidades viriam tão cedo.

Porém, deveria ter algo à coroa de Hemlock, uma maldição talvez, para o homem que a ousava colocar na cabeça. Seu bisavô partiu cedo, seu avô morreu após as núpcias e seu pai não era exatamente velho para sumir daquele modo senil. Ele não duvidava que houvesse um feitiço sobre a coroa, uma praga lançada por sua avó, nas loucuras que a velha costumava fazer quando ninguém a estava olhando.

— Não deveria sumir assim, Sebas. Nossa mãe pode achar que sumiu como nosso pai — a voz doce o fez se virar, para analisar quem a pronunciava.

Ele sorriu ao ver Coraline, com um belo vestido vermelho, saltando do alazão marrom que a trouxera até ali, ajeitando o tecido da saia em um segundo, enquanto os cabelos - de um castanho acobreado - caiam-lhe a frente do rosto. Ela ergueu o olhar para ele, sorrindo com aqueles lábios em formato de coração, parecidos aos de sua mãe. Tinha uma pele leitosa, com sarnas visíveis apenas a uma proximidade intimista, o rosto redondo, delicado, e um sorriso que o aquecia de alguma forma.

— Minha doce Cora, eu não me importo — falou, voltando-se novamente para o lago — Este castelo ainda há de me sufocar.

Ela se aproximou dele, parando ao seu lado, acompanhando o seu olhar para um ponto no horizonte, visitando algum entre as planícies e o castelo que, ainda longe, impunha-se.

— O castelo ou as duas rainhas loucas? — perguntou, fitando-o com um meio sorriso.

Sebastian deu uma risada seca, voltando-se para ela, levando uma mão a seu rosto e fitando seus olhos castanho-claros.

— Ambos.

— É temporário. Logo serás rei, então poderá mandá-las para os confins destas terras. Longe o suficiente para que não perturbem nossa paz. Quanto ao castelo, mude a decoração!

O príncipe deu um suspiro, afastando-se dela por um momento e falando com amargor:

— Então estarei casado. De quê nos adiantaria?

— Meu adorado irmão, sempre podemos escapar — Cora comentou com uma piscadela — Invente para tua esposa uma caçada, quanto ao meu noivo, deve ser fácil enganá-lo.

Sebastian deu um sorriso de canto, voltando a fitar a irmã.

— Tua mente me fascina.

— Sei disto. — retrucou simplesmente ­— Mas agora regressemos, ou Jasper anunciará para os quatro ventos que ele é o legítimo herdeiro e, ao pôr-do-sol, estará coroado por nossa avó. Sabes bem como ela é.

— Sim, sei. — comentou, então ao tirar a mão do rosto dela deu um longo suspiro e completou — Achei que a coroa me daria ao menos o direito de beijar a donzela.

Cora deu um sorriso doce e falou enigmática:

— Teu cavalariço já nos alcança.

A expressão no rosto dele foi do mais puro descontentamento, mesmo que isso se visse apenas num suave crispar dos lábios finos. Ele segurou a mão da princesa, depositando os lábios nos nós dos dedos, então a fitou, deixando que seus olhos claros percorressem os dela e sussurrou, acariciando as costas de sua mão:

Forjados em Sangue: A Ascensão das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora