Primeira Porta

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     Eu estava em chamas, meus pulmões, meus olhos e minha alma estavam queimando como se estivessem no inferno, mas eu não podia parar de correr, se havia uma coisa que era certa, era que eu morreria se parasse.

     Me lembro claramente de como e por que vim parar aqui; eu estava fugindo antes mesmo de passar por aquela maldita porta.

     Havia tido uma discussão com a minha mãe novamente, mas hoje era diferente, ela agia como o de costume depois da separação, me ignorando quando conveniente e quebrando as coisas quando ficava irritada, mas ela tinha ido longe demais dessa vez.

    Dentre o que me restou da casa antiga quando nos mudamos estava um pequeno e apagado pingente de estrela que eu usava em uma corrente igualmente prateada, um presente que minha mãe me deu ano passada quando completei 16 anos e meu livro favorito de todos os tempos, "A noite em que o mar se apaixonou"; um livro curto de capa dura e cinzenta; a cópia que eu tinha era especialmente autografada pela própria autora da obra e foi passado a mim pela minha avó, que sempre lia para mim antes de falecer alguns meses antes do divórcio, meu livro e minhas lembranças foram parar na pia ao lado do fogão com todas as suas páginas reduzidas a cinzas, e então eu fiz o sempre faço, fugi.

     Não tinha certeza se esse sentimento era temporário ou permanente, só sabia que queria ficar sozinha, e ainda assim senti o estômago embrulhado e a garganta seca pela culpa de deixar Anna com a nossa mãe, uma criança não deveria ter que aguentar o comportamento abusivo que ela desenvolveu; não queria voltar por mim, mas queria voltar por ela.

     Enquanto desacelerava o passo e parava em frente a reserva da cidade, tentei controlar meus batimentos e a respiração ofegante, a brisa fresca faziam tremer os ombros, era o começo do outono e eu estava apenas trajada em uma calça jeans azul, um tênis converse preto e uma camiseta de manga comprida com grossas listras em preto e branco, ela não muito quente, mas ainda seria o suficiente.

     A reserva florestal da cidade era um dos meus lugares favoritos, uma grande e bela mata que já estava sendo tomada pelo vermelho e amarelo; um lugar vazio ou, ao menos era o que parecia; ao longo da trilha que contornava a floresta e nas clareiras haviam algumas casas espalhadas à beira do córrego, que corria até desaguar em um pequeno lago, costumávamos visitar algumas das senhoras que moravam naquela região quando fazíamos trilha, tenho certeza que a senhora Lopez ainda está acordada a essa hora, ela podia ser velha, mas ainda ganhava de mim no quesito energia.

     A corrente que impunha os limites da floresta já estava em meu alcance e antes que eu pudesse pular para o outro lado, sinto uma mão pequena agarrar a minha com força e uma voz chorosa alcançou meus ouvidos.

     – LAURA! Você saiu correndo e me deixou sozinha com a mamãe... - Um soluço alto fez-se presente.

     – E... e, ela começou a quebrar as coisas e gritar, eu estava sozinha – Acrescentou Anna.

     Um aperto no coração era pouco para descrever aquela sensação ácida que me queimava por dentro ao ouvir minha irmã, que tinha apenas dez anos contar o que presenciou e que aparentemente, preferia sair sozinha no meio da noite a ficar para ver o desfecho do chilique.

     Bem, a culpa também é minha por ter deixado ela sozinha, envolvi meus braços ao seu redor e apertei com força, minha testa foi de encontro com o topo de sua cabeça enquanto pensava em maneiras de acalmá-la, ela estava gelada e tendo tremedeiras, é claro que estava, ela usava apenas um macacão claro junto de uma blusa cor-de-rosa.

     Decidi que não voltaria, levaria ela comigo para a casa da senhora Lopez, ela era gentil e não tenho dúvida de que não hesitaria em nos abrigar; peguei Anna pela mão e liguei a lanterna do celular, a trilha que antes parecia clara, agora era estreita e fechada, mas não havia para onde ir a não ser adiante.

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⏰ Última atualização: Mar 16, 2023 ⏰

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