Meu nome é Anali, tenho 11 anos e duas amigas. Gosto de colares coloridos, de tomar sorvete e de descobrir lugares estranhos (conheço uns quantos). Também gosto de dançar, de dormir até muito tarde, de assistir vários filmes seguidos e de Mike Pita (o cantor dos cachos). Detesto costurar e todas as atividades que se pareçam com esta, como fazer crochê. Não sei por que as pessoas acham que nós, meninas, devemos saber essas coisas. Algumas vezes, não muitas, me entendio e não sei o que fazer. Se tivesse um irmão, tudo seria diferente. Mas não tenho um irmão, e agora acho que nunca terei.
Essa foi a melhor maneira que encontrei de começar o primeiro diário da minha vida, no mesmo dia em que recebi de presente dos meus pais. Se vocês pensam que não é muito apropriada estão de acordo comigo.
Não, não, não. Isso não é jeito de começar um diário. A segunda tentativa foi mais ou menos assim:
Meu nome é Anali e sou chinesa. Quero dizer que nasci na China. Uma vez eu procurei o meu país no atlas do papai. Por curiosidade. Para saber onde ficava. Era como uma mancha verde sem nenhum formato concreto. Uma mancha em forma de mancha, muito longe, do outro lado do mundo. Pensam que é divertido ter nascido em um lugar sobre o qual a gente não sabe de nada? Eu acho que é, sim. É um pouco estranho, reconheço, mas com o tempo você se acostuma. Como cheguei até aqui, a dez mil quilômetros de distância? Às vezes eu mesma me surpreendo com a quantidade de acasos que tiveram que acontecer para que hoje eu possa dizer isso. Primeiro foi preciso que me abandonassem, mas já vou contar isso. Também foi necessário que meus pais adotivos descobrissem que não podiam ter filhos. Costumam dizer que não chegaram a ser felizes de verdade e a esquecer tudo o que tinha acontecido até depois da minha chegada. Quando falam disso ainda me parece que ficam tristes. Existem pessoas que não podem ter filhos e não se importam muito com isso. Quero dizer, que sabem se resignar, ou assumir e pronto. É o caso de uns amigos do papai e da mamãe. Gostam muito um do outro, já viajaram o mundo todo e, agora que são velhos, decidiram deixar todo o seu dinheiro, sua casa e seus carros a umas freirazinhas dessas que só param de rezar de vez em quando para fazer uns doces gostosíssimos.
E também há os que são como os meus pais: otimistas e lutadores (de vez em quando um pouco louquinhos). Para eles, todo esse assunto da descendência era realmente importante. Os pobrezinhos tiveram que fazer um montão de coisas pesadas: papelada, esperas, entrevistas com psicólogos... tudo para conseguir afinal viajar até a China e me adotar. Conseguiram, claro, porque ninguém ganha dos obstinados.