O príncipe amaldiçoado

197 22 10
                                    


Disseram que o rei foi amaldiçoado pelos deuses depois de caçar na floresta sagrada quando era jovem, mas que não contou sobre a maldição a ninguém, temendo perder a coroa; ele, entretanto, sempre negou essa acusação perante seus conselheiros, sua esposa e seus súditos. "Tudo fábulas de um povo desocupado."

Mas os sinais, pensavam as pessoas, eram preocupantes. A primeira esposa do rei morreu dias após o parto de sua primeira filha; a garota, diziam, era deformada como ferro fundido e faleceu poucos dias depois de vir a este mundo. A segunda esposa adoeceu antes mesmo de engravidar e também veio a falecer sem deixar herdeiros para o pobre rei.

A terceira esposa lhe deu duas filhas mulheres — que, embora saudáveis, não poderiam herdar a coroa segundo os costumes e as leis locais —, mas o segundo parto foi complicado e os médicos informaram que ela não aguentaria outra gravidez.

Como poderia, então, garantir um futuro seguro e estável para seu reino se não conseguia nem mesmo produzir um herdeiro digno? A insegurança.

Já estava no trono há 14 anos e nem sinal de um filho homem que pudesse herdar sua coroa e cetro. Mas então, pela misericórdia dos deuses, talvez, ou por sátira do destino, a esposa se descobriu grávida de novo.

Custou-lhe a vida, mas a esposa faleceu com um sorriso em seu rosto, plena por parir um filho homem para seu marido e rei, um herdeiro para o trono.

Mais uma vez sozinho, o rei perguntou a si mesmo se valia a pena continuar; se apaixonar de novo, depois de perder três esposas, lhe traria alguma felicidade? Escolheu esperar, viver o luto. Um filho não lhe garantia segurança, mas era melhor do que nada.

Akutagawa Ryunosuke seria o herdeiro do trono.

O menino, entretanto, desde cedo demonstrava ter uma saúde delicada. Não aguentava as ostensivas horas de treinamento físico, de lutas com espadas, embora fosse muito inteligente. Quando esforçava-se demais, logo vinha a febre, a tosse constante, a dificuldade para respirar. E o rei voltava à insegurança constante, ao medo de perder seu único herdeiro, seu filho precioso.

Apesar das dificuldades, Akutagawa sobreviveu e tornou-se um jovem elegante, de distinto comportamento; mesmo sendo introspectivo e silencioso, era agradável e um exímio estrategista, embora não pudesse empunhar uma espada por muito tempo ou correr longas distâncias sem que seu corpo lhe cobrasse caro.

O rei tentou casar-se novamente, mas após se ferir em uma justa, se tornou definitivamente estéril. Um segredo que poucas pessoas, incluindo a esposa e o filho, sabiam.

Mas durante a adolescência do garoto algo estranho nasceu dentro dele: um poder estranho que precisava ser ocultado, mas que lhe protegeria caso estivesse correndo algum risco. Esse poder precisava ficar em segredo das pessoas comuns, ou poderiam todos se revoltar contra a família real alegando que tinham feito algum pacto com criaturas demoníacas.

Às vezes Akutagawa acreditava nos rumores; pensava que o pai tinha mesmo ofendido aos deuses e sido amaldiçoado, que para ter um herdeiro tinha vendido sua mãe ao diabo em troca de uma última oportunidade, e que por isso o diabo agora vivia dentro de seu frágil e franzino corpo.

"Os fracos não têm o direito de determinar seu próprio destino". Com esse pensamento ele decidiu que controlaria a besta Rashoumon em seu favor, bem como o destino que o cercava, e venceria quaisquer obstáculos se tornando o maior rei que aquele reino já tivera. Provando para todos, e principalmente para si mesmo, de uma vez por todas, seu valor.

Anos se passaram e seu pai caiu doente, sequelas das justas, das guerras, que se acumularam com a idade e trouxeram enorme sofrimento ao rei. Ryunosuke ficou ao seu lado, assim como as irmãs mais velhas e a madrasta, que choravam a doença do velho rei. Porém, de repente o velho pediu para ficar a sós com o herdeiro, afastando dali as mulheres e os servos para que pudesse conversar a sério com o filho, de homem para homem.

— Existem alguns segredos, meu filho, que carregarei comigo para o túmulo, mas outros que sinto que preciso revelar a você, pois carregará o mais de todos os fardos. — O homem tomou fôlego antes de prosseguir com sua fala diante dos afiados e astutos olhos do filho caçula, agora já um homem formado, pronto para assumir suas responsabilidades a qualquer momento. — Quando eu tinha a sua idade, meu filho, eu estava caçando na floresta quando sem perceber adentrei a floresta sagrada. Lá encontrei a mais bela criatura que vi em toda minha vida; uma mulher tão incrivelmente bela que roubou meu coração instantaneamente. Sem pensar duas vezes, fiz a tolice de pedir-lhe a mão em casamento, mas ela me rejeitou. No auge de minha arrogância, disse que ela se casaria comigo fosse por bem ou por mal, mas ela reforçou que não queria, mas mesmo se quisesse não poderia se casar comigo, pois não podia sair de perto de sua árvore sagrada.

O príncipe quase revirou os olhos com aquele conto de fadas estranho do pai. Talvez a doença estivesse afetando sua mente.

— Sei que essa história parece tola, meu filho, mas é a verdade. — O pai suspirou. — Cruel e ambicioso como eu era, voltei com meu machado e cortei-lhe a árvore sagrada, obrigando a mulher a vir comigo, a pobre ninfa... Mas, antes mesmo que saíssemos da floresta, seu corpo se desfez em minhas mãos, para o meu desespero, e dela restou apenas uma semente no chão. A deusa então brotou de sua semente enquanto eu fugia, aterrorizado. A voz dela ecoava entre as raízes das árvores me amaldiçoando a apodrecer pelo resto de minha vida até que a morte chegasse para mim. Te conto essa história agora, pois sei que meu fim está próximo, mas a sua jornada está apenas começando. Você é inocente, diferente de mim. Não cometeu nenhum pecado contra os deuses, então se for até a floresta sagrada talvez encontre uma forma de se desculpar com eles e se livrar do fardo da minha maldição. Prometa-me, Ryunosuke, que irá até a floresta sagrada em busca da solução, e vá antes que morra sem deixar herdeiros... Prometa-me. — Fraco, o pai segurou a mão de seu filho entre as suas.

O jovem suspirou e não respondeu, fazendo seu pai insistir: — Prometa-me. Jure pela sua vida e pela nossa dinastia. Prometa-me como Akutagawa, como herdeiro de meu nome, que vai redimir meus pecados mesmo depois que eu me for, pois não me resta tempo, meu filho.

O garoto estalou a língua no céu da boca e suspirou derrotado.

— Se eu der credibilidade ao seu conto de fadas e prometer ir ao fundo da floresta sagrada, você vai morrer feliz, ao menos? Sem carregar esses arrependimentos ao túmulo?

— Se me prometer, sei que cumprirá com a sua palavra e morrerei em paz. Meu filho pode ser duro, e ter um vocabulário difícil, mas definitivamente não é um mentiroso. — O rei lhe sorriu gentilmente em meio à sua dor e o príncipe se viu obrigado a acalmar seu coração.

— Então eu prometo, pai. Desde que isso te faça feliz... — Ele desviou o olhar e sentiu a mão de seu pai relaxar sobre as suas, voltando imediatamente a olhá-lo.

Em desespero, Akutagawa Ryunosuke percebeu que agora carregava o peso de uma promessa que não poderia ser desfeita, pois, com um sorriso aliviado no rosto, seu pai acabara de falecer em seus braços.

A Maldição do Príncipe e o Tigre Branco (AkuAtsu sskk)Onde histórias criam vida. Descubra agora