Concha

180 27 21
                                    

Stan estava sentado na areia, olhando fixamente para as ondas. Os grãos claros faziam cócegas nos dedos dos pés ao passo que ele os mexia. A ventania de manhã cedo transformou-se numa brisa quente que dava contraste ao sorvete de chocolate que escorria-lhe entre os dedos, derretendo na casquinha. Não era um fã de cascão, mas o gelato do quiosque não servia em potes de papel. Provavelmente guardaria o cone doce para Shelly, como fazia na maioria das vezes, ou comeria à contragosto.

Mas não era isso o que estava chateando o garoto do gorro da bola avermelhada.

Na verdade, ele estava tentando se distrair daquela viagem em família, que foi proposta por Randy aos berros quando ganhou um sorteio besta qualquer. O planejamento ocorreu um dia antes do grande jogo dos Patriots contra os Broncos em Denver, este que Stan queria tanto assistir. Arrumou as malas com preguiça e, somente no hotel, se deu conta de que havia esquecido suas sungas e cuecas; ou seja, nem um banho ele ia poder tomar.

Já tinha um tempo que ele não ia à praia. Viajar - principalmente em família - não era uma de suas coisas favoritas. O sol era escaldante, fazia um calor do diabo e ele nem podia entrar no mar, fora que no fim do dia provavelmente teria areia até em seus ouvidos.

Terminou o sorvete e lambeu os dedos para limpar os resquícios de doce. Suas costas já estavam ardendo, sua pele vermelha começando a levantar-se em bolhas pela manhã na praia sem loções protetoras. Outra coisa que ele esqueceu de trazer. Vir à praia foi um erro, pensou.

Atrás de si, seus pais discutiam por coisas sem cabimento e Shelly escutava música na barraca. Assim como ele, a irmã havia aprendido a ignorar a tudo e a todos ao redor. Era como diminuir o volume do mundo. Procurando fazer o mesmo, Stan se levantou, caminhando até a sombra de uma moita, longe dos olhos dos pais e de quem quer que o procurasse.

Internou-se no bosque que margeia a praia. Sem destino? Talvez. Só queria estar fora de alcance. Em seu rosto, uma pequena lágrima. Ou talvez seja só o resfriado de quem tomou muito sol. O bosque era ralo, há uma picada, por onde se embrenhou o garoto do gorro da bola avermelhada. Os carrapichos da relva espetavam-lhe os pés descalços. Merda! Ergueu o pé, apoiando-se no joelho, sola para cima, para livrar-se do incômodo.

Na outra extremidade do bosque, de joelhos no chão, entre a moita e a areia, desenhando peitos enormes numa mulher de palitinho, há alguém.

— 'Tarde...

— Oi...

Era um garoto, não aparentava ser mais velho que Stan. Ou talvez seja. Cabelos dourados caiam em cascata pelos ombros e uma parka alaranjada amarrada na cintura teimava em escorregar - um traje um tanto quanto incomum para o cenário. Mãos ossudas, cheias de pequenas cicatrizes. Um punhado de sardas claras cobriam-lhe o nariz e as bochechas. Dentes meio separados e alguns faltavam, as famosas janelinhas. Mas os olhos... Ah, os olhos! Azuis bem claros com uma leve manchinha castanha na íris, como se fosse um grão de areia no mar, eles sorriam boas-vindas.

— Chega aí, cara — convidou, voltando ao seu desenho com gravetinho.

Stan aceitou o convite e aproximou-se do garoto, observando com curiosidade. Os olhos do loiro saltam da areia para o garoto da bola avermelhada, do garoto da bola avermelhada para a areia, sorrindo sempre, sem parar o desenho nem a observação.

— Fugiu da praia? Por que, hein? Hum... até já sei. Vermelho feito polpa de goiaba. Não sabe tomar sol, é?

Stan sorriu de leve, sem responder.

O loiro estendeu uma das mãos.

— Kenny.

— Stan.

A praia | Stenny!Onde histórias criam vida. Descubra agora