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Era noite de sexta feira naquela farmácia apertada no Méier e estava quente, tão quente que às vezes Alberto se perguntava o por que diabos havia ido embora do Ceará. Pelo menos o inverno era mais forte no Rio de Janeiro, pensou, mas no momento estava abafado demais. Sua única sorte, ou talvez azar, era a chuva que caía. O pobre farmacêutico morava perto da UERJ e todos os ônibus que pudessem levá-lo para lá estavam parados no engarrafamento.

Trancava os armários dos remédios enquanto revisava receitas que podia jogar fora e algumas que serviriam para encomendar remédios que estavam em falta. Todos os poucos funcionários já haviam ido embora, com excessão de um.

— Se cê quiser, pode ir dormir lá em casa.

Kayque.

O motoboy da farmácia, sempre com aquele sorrisinho safado estampado no rosto. Lá estava ele, provavelmente tinha por volta de 1,80 de altura, longos dreads azulados que batiam na cintura quando estavam soltos. O bigodinho e a barba "de cria", como costumava dizer. A pele naquele marrom bombom bem bronzeado, a blusa do Flamengo era de lei também, junto com a bermudinha tactel e um par de chinelos falsificados da Nike. Sempre chamando seu nome com aquela voz grossa e aquele sotaque carioca gostosinho de escutar quando precisava fazer alguma entrega. Alberto não podia negar que várias vezes tinha que se beliscar pra voltar à realidade quando ele estava por perto. Céus, ele era realmente um pedaço de mau caminho. Pra quem nunca foi de ter crush, até que o coitado do loirinho estava assanhado até demais. Sempre disfarçando o rubor nas bochechas com o olhar sério, não dava muito certo de vez em quando mas era o que conseguia fazer para manter a compostura.

— Coé, tô falando contigo, Beto. — Ele chega mais perto, se apoiando no balcão. — Nós vai de moto e tu dorme lá em casa, tá um chuvaréu do caralho. — Ele tira o chaveiro com a chave da moto no bolso. — O Breno foi dormir na casa do amigo, então rola cê ficar lá. É apertadasso mas dá pro gasto, topa?

Alberto ponderou por alguns segundos. A opção de pegar ônibus naquela tempestade era inegavelmente horrorosa, fora que voltaria tarde pra casa com o risco de ser assaltado. Sua irmãzinha Klara estava passando uns dias com a mãe, então não faria mal algum, ele achava.

— Considerando que Deus resolveu lavar os pratos tudo, que diabo é isso… — O loiro diz. — Tá, eu topo. Obrigado, inclusive… — Ele limpa a garganta, desviando o olhar e ajeitando o óculos no rosto.

— Já é então, vambora, desliga tudo aí, menor. — Ele sai andando enquanto desligava algumas luzes.

Kayque era um tanto misterioso de vez em quando. Apesar de bem extrovertido e pegador, costumava guardar alguns segredos, tipo o fato de ser irmão de um cara rico com um cargo altíssimo na direção da Ambev, ou o fato de que até pouco tempo atrás ninguém sabia que ele morava com um garoto de uns dezessete anos chamado Breno, praticamente um filho pra ele. Alberto era um tremendo curioso e sabia de todas as fofocas dos funcionários, apesar de não contar pra ninguém. Se perguntava como seria o apartamento do rapaz.

Aliás… Uma noite inteira sozinho com ele… Não lhe soava tão ruim, embora odiasse admitir.

Deixou o jaleco pendurado e ajuntou suas coisas na bolsinha carteiro que carregava pra cima e pra baixo. Sorte que era tão preparado que deixou uma muda de roupa pro caso de ficar preso ali por causa de tiroteio.

Chegou até a garagem do prédio comercial e lá estava o rapaz alto, vendo alguma coisa no celular enquanto se apoiava na moto cheia de adesivos do Flamengo. Alberto ponderou se realmente subiria ali, se algum conhecido seu o visse seria uma vergonha, afinal torcia pro Botafogo.

Botou o capacete da moto e subiu na garupa, segurando no ferro atrás.

— Cuidado pra não bater a perna no cano do escapamento que essa porra queima até a alma. — Kayque avisa, ajustando o capacete e dando ignição. — Aliás… — Ele pondera. — Segura aí atrás não, tá chovendo, tu vai escorregar.

Se Cê Quiser, Pode Ir Dormir Lá Em Casa [kaebedo]Onde histórias criam vida. Descubra agora