1-unico

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Shoto abriu lentamente os olhos

Inicialmente enxergou apenas o teto empoeirado e mofado da onde encontra-se deitado

Não entendendo nada, ergueu ambas suas mãos as encarando sonolento

A palma das mãos estavam trêmulas, molhadas e enrugadas

e instantaneamente as suas memórias voltaram como se toda sua vida tivesse passado diante de um filme de terror, parando na sua última lembrança reprisada num cenário desesperador

O acontecimento tinha sido rápido, entretanto, ele ainda podia sentir a dor persistente do que havia feito

A asfixia gerada pelo afogamento do suicídio estava agonizantemente presente nele

— Ainda estou vivo? — perguntou sussurrando, sentando-se naquela banheira coberta de água fria

Notou estar com suas roupas habituais. Sua visão embaçada, como uma sensação de enevoamento

— Sequelas? — lamentou consigo mesmo enquanto levantou-se por completo, sentindo tontura no processo

O cômodo não era nada familiar, olhou ao redor percebendo ser espaçoso, porém, vazio, tendo somente o meio a meio e atrás de si uma banheira enferrujada cheia de limo

Ele caminhou receoso em direção a porta de madeira com degradação, conforme aproxima-se pôde ouvir choros e murmúrios do outro lado

— Tem alguém aí? — Mesmo sem saber onde está, continuou o seu caminho abrindo a maçaneta da porta, dando a visão — retomada gradualmente — de um terreno baldio sombrio

Uma neblina de frio intenso cobriu o local

Gritos de horror penetraram na audição do bicolor, deixando-o desnorteado

Ele correu bem rápido

Pelo caminho tropeçou no meio de destroços que eram nada mais nada menos que vários cadáveres cobertos de sangue com cheiro repugnante de carne podre

O desespero tomou conta dele quando tentou se levantar. As mãos daqueles cadáveres do cemitério agarraram suas pernas e braços fundindo uns aos outros como raízes, impedindo Shoto de se soltar

Por mais que o bicolor implorasse pedindo ajuda, ninguém podia ser capaz de libertá-lo daquele tormento

As mãos imundas de lameira cobriram seu nariz e boca, sufocando-o inúmeras vezes ano após ano, fazendo-o lembrar da apavorante noite em que tirou sua própria vida

Esses defuntos em decomposição faziam questão dele sentir a mesma sensação do suicídio repetidas vezes... Chegou um momento em que Shoto simplesmente desistiu de resistir, conformando-se com essas mãos ensanguentadas percorrendo seu nariz, boca, pescoço e peitoral sendo manchados de vermelho sangue, marcando como tatuagem o seu sofrimento depois de se suicidar

Uivos contínuos estritamente tristes eram escutados no meio das súplicas num coral uníssono, parecido com o trecho musical predileto do Shoto, eles agiam como se entendessem sua dor interior

Depois de muito tempo, ele resolveu abrir os olhos heterocromáticos e, uma silhueta feminina com uma face difícil de se reconhecer, entretanto, empática pelo sofrimento dele, chorou lágrimas negras, afundando Shoto na profundeza da laguna

As lágrimas dele se misturaram com a água tão assemelhada com o líquido amniótico. Afundando cada vez mais ele ficou em posição fetal buscando inocentemente com as mãos o cordão umbilical da mãe que pudesse ligá-los novamente

Esse local era onde se sentia seguro, protegido e amado, mas a uma distância considerável, ouvia uma gritaria assustadora das pessoas mortas ao seu redor

Livrar-se de dissabores - Todobaku, bakutodoOnde histórias criam vida. Descubra agora