O VELHO DO SACO: CAPÍTULO ÚNICO

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       Essa história aconteceu comigo, quando tinha uns doze anos. Até hoje, quando eu conto para meus filhos, sinto os cabelos da nuca arrepiarem e a dor no ombro não me deixa esquecer. Nunca mais dormi com a janela aberta ou sem deixar uma lâmpada acesa. Um medo de ranger os dentes, que só o sobrenatural pode explicar.
Estou falando do temido “Velho do Saco”. Uma lenda folclórica, que presenciei. Vocês também gostariam de ouvir? Então, sentem-se e verifiquem se as janelas do seu quarto estão fechadas. Nunca se sabe quando ele estará arrastando seu saco negro, caçando aquelas crianças malcriadas.
Mesmo que elas já estejam adultas, ele irá te procurar...

Tudo começou quando meus pais resolveram ir visitar meu avô, que estava muito debilitado e foi morar na casa do filho mais velho, meu tio Élio. Ele era irmão do meu pai e vivia numa chácara bem afastada da cidade, onde só se conseguia chegar lá de carro e o vizinho mais próximo se encontrava alguns quilômetros adiante.

— Mateus, quantas vezes eu vou ter que pedir para arrumar sua mochila?
Minha mãe, com os braços cruzados e o cenho enrugado, me encarava com uma carranca, já impaciente comigo. Eu não estava feliz com a ideia de ir pra lá, onde não tinha nada para se fazer e nem telefone!

— Mãe, eu tenho mesmo que ir? Eu não posso ficar na casa da tia Dida ou no Gustavo? Por que eu tenho que ir?

— Porque não! Porque seu avô tá doente e tu vai com a gente, sim! Pronto!

— Mas, mãe...

— “Nem mais, nem meio mas”! – Cortou, dando as costas.

— Mãe! Eu odeio ter que ir para aquele fim de mundo! No meio do mato! Meus melhores amigos estão aqui! Isto é tão injusto! — Vociferei em vão.

Contrariado, larguei meu gibi¹ e levantei, soltando o ar. Não me sentia disposto a viajar por horas e enfrentar um pedaço da viagem numa estrada de chão batido, comendo areia.
Abri as portas do roupeiro, olhando com uma careta, sem saber exatamente o que iria colocar na mochila. Parecia que nada ali combinava com mato, mosquito e sapo!

— Que saco! – Murmurei. — É injusto!

Peguei algumas camisetas, bermudas, calções, algumas peças íntimas e um casaco. Fui jogando tudo na cama e com as mãos na cintura, fiquei correndo os olhos, se havia mais alguma coisa que eu pudesse levar para ocupar meu tempo. Virei o pescoço para a estante e agarrei um punhado de revistas de palavra cruzada e gibis, além de um bloco de rascunho e canetas.

— Deveria levar uma corda bem grossa e me enforcar numa das árvores de lá! – Resmunguei.

— Mateus! É pra hoje!

Meu pai buzinava e gritava para mim impaciente, já com o carro estacionado em frente a nossa casa. Para ele, era o momento de reencontrar o irmão e a cunhada e rever o pai, que depois de ficar viúvo perdeu a vivacidade de outrora.
Soquei tudo de qualquer jeito dentro da mochila, meu walkman² e meus fones. Sem música eu não ficaria nem sob tortura! Pensei, saindo do quarto e correndo em direção ao carro.
Em algumas horas, já estávamos na metade da viagem e a terra grudando na minha testa, boca e nariz. Não via a hora de chegar e jogar um litro de água na cara e mais um litro para limpar a garganta.
Chegamos lá à noitinha, quando as pererecas, pirilampos e cigarras começavam com seu concerto noturno.

— Olha, Mateus! Seus primos também vieram! Assim tu vais ter com quem brincar!

— Fala sério, mãe... – Resmunguei, revirando os olhos.

— Mas tu só “reclama”, hein! – Disse meu pai, estacionando o carro do lado do carro da minha tia Léa, mãe de meus três primos que tinham idades próximas a minha.

Descemos e já fomos recepcionados pelos meus tios Élio e Antônio, que vieram nos cumprimentar entre abraços, batidas nas costas e, é claro, passar as mãos pelos meus cabelos e fazendo as mesmas piadinhas de cinco anos atrás.

O VELHO DO SACOOnde histórias criam vida. Descubra agora