Astéria
Ele adentrou a biblioteca, uma simples ação da abrir a porta de vidro fez várias cabeças antes concentradas se virarem para ver quem era e deram de cara com aquele rosto fodidamente lindo. Aquela camisa social branca e o colete de tricô por cima, esnobe, com uma postura altiva. Meus olhos o seguiam por detrás do livro até eu o perder de vista por entre as prateleiras.
Muito bem! Chega de Homero por hoje. Obrigado aula de literatura grega. Quando não temos muitas opções, escolhemos sempre as mais improváveis. Coloquei os livros dentro da bolsa e sai da biblioteca em direção ao estacionamento. Gosto de calma e quietude, os sons da noite urbana me deixam um tanto perturbada, e o estacionamento vazio não ajuda. Ouvi passos pesados e por fim alguém atrás de mim, uma onda de pânico tomou conta do meu corpo e joguei tudo dentro do carro.— O que pensa que está fazendo? — era uma voz grossa e profunda e eu senti meu corpo amolecer de medo— Não é assim que se trata um clássico grego de capa dura!!
Mas não é possível!Quando dei por mim minha mão já estava fechada e eu estava me jogando na direção da voz. Sei que um soco só bastava, mas eu estava fora de controle.
— Você ficou maluca?! — Ele deu um passo para trás e me olhou, dava pra sentir o ódio na sua voz e olhar.
— Você só pode estar de brincadeira!! — Me assustei com meu próprio tom de voz— Esperava oque?! Que eu ficasse feliz em ter um homem atrás de mim em um estacionamento vazio, às dez da noite!!— Eu queria socar ainda mais aquele rosto prepotente!
— Não pensei por esse lado— Ele fez uma pausa, talvez estivesse pensando em não falar nada estúpido— Foi mal mesmo, de verdade. Mas me deixou louco ver você jogar um livro daqueles no banco do carro.
— Porque eu estava com medo, seu imbecil!
— Podemos parar com as ofensas por favor? — ele ajeitou o sobretudo preto e prossegui— Quero falar sobre as aulas de literatura grega, preciso das anotações dos dias em que eu não vim.
— Qual é Kaus ? Achei que era um aluno nota dez.— minha ironia era palpável, espero que ele tenha entendido.
— E sou Astéria, o único que me supera é o Alioth. — Ele se refere ao seu irmão, aluno do curso de medicina que eu vi na biblioteca mais cedo.
Revirei os olhos com aquilo. Filho da puta presunçoso. Já fui entrando no meu carro e colocando a chave na ignição.
—Bom, idiota, já me assustou e encheu minha paciência, pode me deixar ir para casa? Hum?
—Adoraria te segurar aqui por mais tempo só para ver essa veia na sua testa estourar. — é mais do que claro, eu devia ter continuado com os socos. — É sério mulher, precisa ver isso aí num psiquiatra, tá feio viu.
— Kaus.— falei pausadamente. —Vaza e eu te envio as anotações por e-mail. Imbecil.
—Clássico Astéria, não pode faltar ofensas. —Ele se virou e deu, o que eu acho que foram dois passos e para a minha infelicidade, se virou de novo para mim. —Melhore seu vocabulário ninfa.
Eu bati a porta do carro com tanta força. Que ódio!!!
—Vá se foder imundo!
Dei partida e o deixei lá sozinho. Saí da área da universidade e fui em direção a meu loft. Porque diabos ele tem que ser assim? Por que diabos ele não pode ser igual ao Alioth, gentil, atencioso e um pouco doce demais, um tanto exagerado eu diria.
Passei o caminho pensando sobre os inúmeros trabalhos que os professores vêm passando ultimamente, também sobre meu emprego para pagar a vida em Toronto. Tenho que tomar cuidado e me organizar para que nada saia do controle e não acumule nada, porque não tem nada pior do que pilhas de trabalhos para entregar, e as aulas de literatura grega, que saco, é a matéria que eu coloco sempre como última. Cheguei um pouco atrasada para escolher as matérias extras e fiquei com o que sobrou e de brinde veio um belo idiota com um nome ridículo de estrela.Kaus
Voltei para dentro da faculdade, caminhando pelos corredores do prédio de letras e observando as pessoas indo embora, conversando umas com as outras. Fui de encontro ao Alioth, que ainda estava na biblioteca, como eu disse para ela, ele me supera nos estudos, sempre centrado, tanto que nunca percebeu os olhares de Astéria em sua direção, ela fica com uma cara admirada e muito besta para ele. Cheguei na biblioteca e como eu esperava, só ele aqui, e a bibliotecária olhando para ele com ódio, aposto que ela só quer ir para casa.
— Alioth! Deixa a Doth ir para casa, olha a cara da mulher! — Chamei a atenção dele para o óbvio.
Ele se virou para me olhar e deu um meio sorriso.
— E aí maninho, já acabou de perseguir a sua ninfa? — o deboche na voz dele era visível.
— Ela não é a porra da minha ninfa. — Falo pausadamente. Odeio essas piadinhas dele.—aliás, ela detesta tanto mitologia grega que duvido que saiba o que é.
— Kaus, ela pode não ser a melhor do mundo nas aulas, mas ela não é burra, na verdade é bem inteligente. — Sério que ele quer falar dela? Já deu por hoje.
— Não importa, vamos para casa, hoje o dia me quebrou. — E era verdade, eu estava derrotado, e ainda levar um soco daquela garota não me deixou relaxar nem um pouco. Vi na sua face o cansaço também e ele finalmente se dá por vencido.
Seguimos para o estacionamento, pegamos o carro e fomos para nosso apartamento. Moro com Alioth desde que ele começou a faculdade, ano passado. Sempre pensei que fosse uma má ideia morar com irmão na faculdade, ainda mais com ele. Mas irmão é irmão, temos que contar um com o outro, e também dividimos as despesas, complicado no início, mas melhorou depois de alguns meses.
Hoje minha cabeça não estava no que fazer para relaxar quando chegasse em casa, e sim na porra do soco que levei daquela... daquela.... filha de uma puta! Como uma mulher tão pequena pode ter um soco tão forte, porque eu penso que ela deve ter no máximo um metro e sessenta de altura, mas acho que não vai deixar nenhuma marca. Chega de pensar nela, me dá dor de cabeça pensar nessa mulher. Nos conhecemos há dois anos atrás, não existe nenhuma educação naquela mulher, pelos menos não comigo, com literalmente todos ela só mostra sorrisos, joga flores e é um anjo. Comigo não tem nem sequer um pedido de licença, só raiva e patadas, uma ninfa louca, linda como o inferno, mas louca.
—Pensando no que ein ? — a voz de Allioth me puxa dos meus pensamentos.
—Nos trabalhos que alguns professores pediram. — Ele não é idiota de acreditar nessa história, mas espero que dê certo.
— Jura que não é em uma certa deusa das estrelas? — Ele dá uma gargalhada enquanto faz uma curva. — Estou certo?
— Outra piada e eu te dou um soco, você perde a direção do carro, ele bate e nós dois morremos, quer ser o culpado pela nossa morte irmãozinho? Por fazer a mamãe chorar? — Que merda é essa que eu acabei de falar? Espero que pelo menos ele mude de assunto. — Como foram as aulas hoje? — Mudar rapidamente de assunto é a melhor opção.
— Foram bem. — Algo no seu tom de voz não me agradava nem um pouco. — E o seu dia como foi? — Mudança de assunto outra vez. Mas eu sou insistente.
— Opa, que tom de voz foi esse? De verdade o que aconteceu? — Eu insisto. Ele é meu irmão, de certa forma tenho que proteger ele.
— Só estou cansado. — Muito bem, isso eu já sei. — Estou tentando fazer tudo dar certo. Quero que as coisas saiam bem.
— Alioth... pode me contar. Na verdade, nem precisa, sou seu irmão, acho que sei o que está acontecendo. Está cansado, porque anda dando tudo de si nas aulas. — Só de olhar para a cara dele eu sei que é exatamente isso. Só sinto que tem algo a mais, outra espécie de cansaço.
— É... — Ele suspira. — Seu chato, você sabe de tudo.
— Poder de irmão mais velho. — Nós damos uma pequena risada. Tudo isso suaviza a tensão do dia. — Cara você é o melhor aluno do seu curso. Foi o melhor aluno no ensino médio, foi orador da turma. Eu te agradeço muito por isso, porque a mamãe ficou tão feliz que esqueceu de alguns momentos ruins.
Dito isso, ele tinha acabado de estacionar o carro na frente do apartamento que dividíamos. Me deu um sorriso, que eu sinto e espero ser genuíno.
— Obrigado. De verdade, por me entender e tentar me ajudar. — Sua voz calma me deixa mais tranquilo.
Eu o abraço de lado e entramos no prédio depois de digitar a senha no interfone. Subimos pelo elevador e logo estávamos em casa. Ele foi para seu quarto e eu fui para a cozinha, arrumei algumas coisas fora do lugar, peguei um suco e fui para minha caverna, meu lindo quarto. Com uma estante do teto ao chão, lotada de livros, e uma pilha ao lado, dos livros que não couberam, essas coisas me fazem rir, culpa da minha mãe que hoje eu sou um pouco apaixonado por livros.
Deixei minhas coisas perto da cama fui tomar banho. Já debaixo do chuveiro comecei a pensar em uma certa pessoa, cabelos ruivos escuros e cheia de sardas do pescoço para baixo. Uma careta surge em meu rosto, mas na minha cabeça, as imagens dela concentrada estudando, da cara dela revoltada e brava quando eu falei com ela no estacionamento, com toda a minha sinceridade eu digo muito bem, é uma mulher bonita, inteligente, confiante, até demais. Chega!!! Para Kaus, para com isso. O melhor agora é terminar o banho e dormir, ainda é segunda e temos uma semana de provocações e briguinhas pela frente.
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Australis
RomanceKaus Australis é o sul do arco na constelação de Sagitário, que é o núcleo da via Láctea. Talvez o mais brilhante. Mas não, ela era a verdadeira deusa, a que comandava as estrelas e os dava direção, ele podia ser o Sul, mas ela seguia sempre em fren...