Capitolo Sei

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A estrada estava horrível por causa da chuva. Minha casa ficava na parte mais alta, e para subir a ladeira, o carro de Oreste sofreu, e muito. Ele era meio baixo, e em alguns momentos eu achei que ele fosse atolar.

Na última subida, o tranco foi tão forte que meu corpo foi para frente e logo depois para trás. Por sorte eu estava de cinto.

Olhei pela janela e vi as luzes do segundo andar acesas. Óbvio que meus pais não estavam dormindo. Também vi o carro de Ginevra parado ao lado da minha horta, óbvio que ela não sairia daqui até eu voltar.

Oreste desceu, e abriu a porta para mim. Apoiei meu peso todo na sua mão quando meu pé afundou na lama, dez centímetros de barro vermelho encharcado.

— Foi muito bom dividir minha comida com você. — Por que ele tinha que ter um sorriso tão bonito? Um pouco tímido, mas doce.

— Disponha. Na próxima, eu prometo não pegar sua sobremesa.

— Só aceito uma próxima vez se você prometer pegar minha sobremesa.

Oreste deu um passo para frente, e envolveu meu corpo em um abraço.

Não tive apenas a sensação de estar sendo abraçada, pela primeira vez na vida eu me senti envolvida nos braços de alguém. E foi uma das melhores sensações que já experimentei.

Sua mão descia pela parte exposta das minhas costas, torci para que ele não tivesse percebido minha nuca se arrepiar ao mero toque dele na região, do mesmo jeito que eu o notei prender a respiração.

Eu li livros de romance. Não sou romântica, mas ler é um ótimo hobby, leio sempre que tenho tempo livre na faculdade, ou no trabalho. Também me ajuda a dormir melhor.
Então, com base em todo o meu conhecimento sobre homens fictícios, quando eles prendem a respiração, querem disfarçar o coração acelerado. Bobagem.

Minha cabeça estava pressionada contra seu peito, ele poderia tentar disfarçar, mas não conseguiria. E sendo sincera, eu gostei de ouvir seus batimentos rápidos. Eu precisava me afastar dele o mais rápido possível, antes que terminasse o beijando.

Não que beija-lo fosse algo ruim — na minha imaginação era ótimo —, mas quando você abraça alguém, e esse abraço tem o poder de fazer você se sentir voltando para casa, é melhor evitar.

Respirei fundo uma última vez, e senti o perfume doce dele inundar meus pulmões. Era floral, talvez tivesse algumas notas de lavanda. Se Ginevra estivesse aqui, ela com certeza saberia dizer até a marca desse perfume.

Me afastei dele, e o abraço que deveria ser o nosso jeito de nos despedirmos, não pareceu ter sido, de fato, uma despedida. Então, levantei a mão direita e acenei para ele. Um simples e delicado aceno que Oreste retribuiu quase que no mesmo instante.

Caminhei em direção ao portão de casa, e cada passo dado parecia amarrado à algo. Eu sentia minhas pernas pesarem, como se eu carregasse noventa quilos em cada uma. Uma vez eu li sobre a lenda do fio vermelho, e em uma das variações, ele liga as duas pessoas pelos pés. Pois bem, era assim que eu me sentia. Amarrada ao que estava atrás de mim pelos pés.

Meus passos pareciam nunca ter fim, e quando eu finalmente toquei a madeira úmida e gelada do portão, parei. Se eu entrasse, perderia a chance de encerrar essa noite com um beijo, que poderia ser maravilhoso!

Eu tinha consciência da minha beleza, mas Oreste devia ter várias mulheres atrás dele, e com certeza, amanhã de manhã, nem se lembraria mais de mim. Bom, talvez ele se lembrasse da mulher que se despediu dele com um aceno idiota.

Minha mãe sempre dizia o quão parecida eu era com o meu pai, e eu nunca concordei com ela. Nunca. Nós duas temos a mesma aparência. Os mesmos cabelos castanho escuro, e lisos, quase no meio das costas. E o mesmo formato do rosto, levemente marcado nas laterais e com o nariz fino e curto. 
Mas, essa noite, eu me dei conta que a minha semelhança com meu pai estava na personalidade. Duas pessoas viciadas em jogar pelo seguro e andar na calçada.

É um tédio viver assim. Minha vida era um tédio. Os momentos mais descontraídos, e engraçados que tive em anos foram com esse homem, e de repente, eu negaria ao cara que me ajudou a libertar ratazanas um beijo?

E um beijo que eu estava maluca para provar? As vezes, você precisa deixar a calçada e correr o risco de se jogar na frente de um carro. Eu queria me jogar na frente desse carro. Claro, que um carro metafórico.

O olhei por cima do ombro, e Oreste ainda estava ali, parado. Recostado na porta do carro, ele me olhava, e o transe que nós dois entramos na cozinha, se repetiu. Soltei todo o ar dos pulmões, e quando dei meia volta, ele se afastou do veículo.

Uau. Nós dois queríamos na mesma intensidade.

Dei meia volta e o caminho até ele foi mil vezes mais leve do que o caminho para longe dele. Eu estava indo a favor da corda. Ele estava indo a favor da corta. Oreste encontrou comigo no meio do caminho, e cercados por lama, e ao som dos relinchos de um cavalo na mata, ele tomou meu rosto em suas mãos.

Os polegares tocaram suavemente minha pele, e eu a senti arder. Queimar. O sangue se acumulou nelas e eu fiquei mais vermelha que um pimentão. Foram longos segundos que duraram uma eternidade sendo o alvo daquele olhar. Eu estava sendo beijada por ele antes mesmo que nossas bocas se encontrassem.

O nariz de Oreste tocou o meu, e depois, seus lábios vieram de encontro aos meus. Ao contrário do abraço que trazia a sensação de volta para a casa, o beijo dele fazia eu sentir como se nunca tivesse saído de casa. Aquela sensação de estar onde deveria estar. Com quem deveria estar.

Oreste encostou a testa na minha, e nós dois ficamos em silêncio por quase um minuto, absorvendo o que tinha sido aquele beijo.

Boa notícia, ele foi tão afetado quanto eu fui. Talvez ele se lembre de mim até depois de amanhã! Ou, talvez, esse beijo garantisse que tivessem outros. Nossa, como eu queria que tivessem outros. 

Mantive os olhos fechados o tempo todo, e quando os abri, Oreste fez o mesmo. Pude ver o brilho de algumas das estrelas espalhadas no céu, em seus olhos. Eu nunca vi algo assim. Suas mãos desceram pelos meus ombros, até encontrarem minha cintura, e ali elas ficaram. Não havia qualquer pressa de ir embora, nós dois estávamos tão confortáveis um com o outro, que se eu morasse sozinha, o chamaria para entrar. E se eu não tivesse que ir trabalhar logo cedo amanhã, entraria no carro dele e iria com ele pra qualquer lugar. Sem pensar duas vezes. Mas já tinha passado da meia noite, e eu precisava tomar cuidado para virar abóbora.

— Preciso ir. — Ele apertou mais os braços em volta da minha cintura. Comecei a me questionar se precisava mesmo entrar.

Eu passaria a noite toda pensando nesse beijo. Acho que ia até sonhar com ele.

Que droga.

Me permiti viver por uma noite e agora vou ter sonhos com o cara gostoso que beijei uma vez.

— Mesmo? — Esfregou o nariz no meu, entreabrindo a boca, pronto para me beijar outra vez.

Isso não podia acontecer.

Se eu sentisse seus lábios nos meus mais uma vez, e o movimento calmo, porém intenso da sua língua com a minha, com certeza teria vários sonhos — que não poderiam ser compartilhados nunca —, e não entraria em casa. Eu o arrastaria para dentro daquele carro, e uma rapidinha no banco de trás não me faria dormir tão tarde...

Bom, melhor eu entrar antes de acabar tomando uma decisão ruim. Ou que me cause arrependimento. Mas quanto arrependimento pode vir de um beijo a mais? Nenhum.

Dei apenas um selinho nele, e dessa vez, entrei em casa.

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⏰ Última atualização: Apr 10, 2023 ⏰

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