Tudo começou em uma tarde chuvosa, em plenas férias de verão aquela chuva acabaria com todo nosso cronograma veraniço, estávamos todos murchos como plantas sem sol, exceto por ele, que foi o primeiro a se jogar na chuva sem pensar duas vezes, ao contrário dos nossos semblantes tristes aquele garoto estava mais animado que nunca. Esta foi a primeira vez que nos contrastamos, eu nunca imaginaria que viriam tantas outras mais.
Mas isso faz muito tempo, desde lá nós mudamos certo? Sim, fomos ficando cada vez mais diferente, como naquela vez que brigamos a aula toda para decidir entre matemática e português qual era melhor. Eu obviamente perdi já que ninguém consegue o vencer quando se trata de argumentos, embora estivesse fazendo aquilo porque amo sua cara brava.
Teve também aquela qual eu comprei meu chocolate preferido para dividirmos e descobri que ele prefere salgados, tão irritante.
Ou outra vez, quando vi que seu gosto musical poderia ser tão distante do meu em vários sentidos; enquanto eu comprava discos dos beatles e rolling stones, admirava o espírito rebelde de Rita Lee e tinha Cazuza como inspiração. Renjun se entretia com um bom bossa nova, jazz e blues como uma madrugada calma, seus gostos acalmavam todo seu espírito forte, às vezes pessoas complexas encontram refúgio no simples. Foi então que percebi que meus solos de guitarra não vão o conquistar, ele prefere o som dos baixos.Houvera dias que o ouvi falar por horas sobre como amava seu curso, mesmo sabendo que odeia quando falo do meu, mas mesmo assim, me escuta. Desde que nos vimos pela primeira vez, soube que aquele garoto diferia, tanto dos outros e mais de mim, dos seus cabelos tingidos aos meus virgens, dos seus pés sem cuidados aos meus totalmente cobertos; ele não precisava de gosto divergentes, sua personalidade por si só o divergia.
Não sei se ele se lembra, mas eu me recordo claramente das madrugadas em claro que dividíamos um vinho barato enquanto ouvíamos de Tom Jobim a Bowie, dos passos de dança ridículos naquele barzinho perto da faculdade, da harmonia que criamos entre seu baixo e minha guitarra, do dia em que me convenceu a pintar o cabelo -desde então tenho meu cabeleireiro pessoal-, quando me abraçou forte e disse o quanto estávamos distantes de tudo, quando me levou àquela loja de discos como presente e me comprou um disco do Barão Vermelho, nosso favorito, e então em uma sexta-feira resolvi revelar meu maior segredo, receoso se até nisso, nos contradiríamos...
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Sexta-feira, 26 de novembro de 1993.
Eram sete horas da noite quando Jeno e Renjun saíram da escola em direção a suas casas, com o período pré-vestibular, estavam estudando a todo momento, pouco tempo sobrava para o lazer, aproveitavam a companhia um do outro apenas nos intervalos de aulas ou nas admirações silenciosas durante o estudo.
Jeno estava tomando coragem desde o começo do mês, com o final de ano, teria pouco tempo para compartilhar o que sentia com Renjun, logo estariam na faculdade e seu tempo já escasso se diminuiria ainda mais. Passou o caminho todo em silêncio pensando como diria seus pensamentos, viu sua oportunidade quando Renjun pediu para pararem num parquinho ali perto.
Sentados no balanço, Jeno retirou seu Toca fitas da mochila e botou para tocar Tudo Veludo. Assim que a música soou, Jeno se levantou e estendeu a mão para Renjun, que se pôs muito confuso, mas acompanhou o outro. De mãos dadas, Jeno o guiou por uma dança boba e amadora, o rodopiava para lá e para cá, se aproximava, afastava, olhava em seus olhos e desviava, com passos lentos e expressões exageradas que divertiam Renjun.
Com as mãos na suas cintura, era como se Jeno cantasse apenas para ele, mesmo se houvessem pessoas por ali, pareciam estar sozinhos no próprio mundo, aproveitando a companhia alheia. Se fosse outra pessoa, não teria entendido a pré-confissão que acontecia, mas Renjun via a forma que Jeno proferia "Eu estou aqui só com o meu desejo, você moreno." A música era baixa, mas os sussurros de Jeno eram tão audíveis quanto os batimentos de Renjun.
Quando a música seguinte iniciou, Jeno puxou o mais velho pela mão quando cantava o primeiro verso como se sentisse as palavras, o chinês estava tão hipnotizado que se juntou inconscientemente aos passos animados do segundo verso, giravam, pulavam, trocavam de lugares, mexiam suas mãos, pés e até o quadril enquanto cantavam ardentemente a música, o coreano o puxou mais perto para se acalmaram e no refrão dançarem novamente, agora colados. Se aproximando ainda mais, de forma divertida cantava o "blá blá blá blá" fazendo cócegas no pescoço de Renjun que gargalhava alto como uma criança, porém mal teve tempo de processar o "eu te amo" que ouviu, Jeno já estava a sua frente repetindo que o amava, seu único instinto foi lhe beijar de imediato, aproveitando a euforia e alegria que criaram.
Um beijo calmo ao som dos saxofones suaves, cheio de amor e surpresa, sem pensar muito, apenas aproveitando o toque demorado que sabiam que quando acabasse, faria falta. Cessado o beijo, continuaram próximos e de olhos fechados, aquecidos pela música e pela agitação interna, voltando o momento eufórico, bastou a frase "Sou louco por ele e não sei o que falar, o que eu quero é que ele quebre a minha rotina, que fique comigo e deseje me amar" para Jeno deixar vários beijos pelo rosto e pescoço de Renjun causando mais risadas tão altas que o contagiaram também e ambos estavam rindo feito bobos apaixonados, o chinês questionou se aquilo era um pedido de namoro e Jeno todo bobo respondeu que sim, em resposta Renjun apenas pegou sua mão e voltou a beijá-lo, ao compasso que a música acalmava, eles se dirigiam para suas casas.
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Para minha surpresa foi aí então que finalmente encontramos algo que concordamos, nosso amor um pelo outro.
Desde então exercitei minha criatividade ao máximo criando motivos só para que me beijasse, inventei um medo do escuro aos 20 só para dormir em seus braços, desculpas e mais desculpas para que pudesse o ver, se eu não fosse um mero universitário ele teria uma rosa para cada momento ao dia que pensasse nele, ou melhor, buquês. Não ache que eu era o mais apaixonado, pelo contrário; Renjun pediu a Jaemin para que trocassem de quarto apenas pela minha companhia. Quando precisara pintar sua pessoa preferida, fez uma caricatura minha de sua forma amorosa e única, além, claro, de todas às vezes que permitiu minha guitarra barulhenta à noite, pois em suas palavras, ele tinha uma visão privilegiada, não da guitarra.
Um ventilador barulhento num quarto escuro às uma da manhã junto a ele é minha definição de refúgio, os momentos que me sinto vivo são aqueles que escolhemos um disco qualquer para ser nossa trilha sonora, como uma cidade que a noite dorme junto aos habitantes, sinto que só existem nós dois em meio a escuridão, e quando ele levanta e coloca propositalmente The Cure para acender a chama mais quente de vida que existe em mim, tenho certeza que o universo inteiro separou este momento só para nós dois.
Se eu queria enlouquecer, esse é o romance ideal.
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Perceberam todas as referências?
Em breve um bônus.
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Rádio Blá! Noren
FanfictionJeno nunca imaginou que em meio a tantas divergências, encontraria com seu completo oposto algo que combinavam muito bem, o amor.