O sinal da escola tocou, era o toque da tão esperada saída. Vinte minutos antes, a turma já havia fechado os cadernos, estojos e mochilas. Eles escutavam o professor falando enquanto batiam os pés e as pernas freneticamente no chão, de anseio. Os olhos, mirando um pro outro, a mente pensando em coisas, pessoas, problemas e situações enquanto o homem à frente explicava taxonomia. Ninguém se importava mais, nem mesmo os mais inteligentes da sala que tiram a nota máxima nas provas. Essa turma só queria ir embora.
Quando tocou, uma garota esperou os touros furiosos passarem pela porta e, logo, adiantou os passos para chegar em casa. Tinha hora para almoçar porque seu pai a esperava. Ela ia andando, no sol de uma da tarde, no calor que só o Brasil emanava, às vezes acompanhada, às vezes sozinha. Enquanto andava a passos rápidos, sua panturrilha já doía por causa do peso. Ela adora caminhar, mas sentindo que carregava uma montanha em suas costas e sabendo que podia ser assaltada a qualquer momento, precisava ignorar aquela dor latejante para chegar logo em casa.
A mochila pesava. Com três livros e dois cadernos, aquele peso era muito maior que somente alguns quilos. Esse peso de estudante ia além, ultrapassava barreiras que uma adolescente comum tinha estabelecido por seu próprio organismo. Já pensava que, ao tomar um banho e almoçar, tiraria seu cochilo de vinte minutos e se apressaria para estudar. E que maravilha, não? Pensar que no século passado as mulheres ainda lutavam para ter uma mínima dignidade garantida, tentar igualar ou chegar perto dos privilégios que os homens usufruíam funcionava - ou pelo menos deveria funcionar - como um impulsionador para seguir em frente e simplesmente sentar a bunda na cadeira e estudar.
A garota pensava nos pobres. Pensava nas milhões de crianças perdidas por aí, trabalhando nas ruas vendendo balas baratas. Pensava em quantas delas queria estar no lugar dela, numa boa casa, com comida, uma cama e, claro, com um lápis e um livro. Parecia ser algo básico demais, mas era como um balde de ouro para eles.
Mesmo assim, a cabeça não fluía. Olhar para o tanto de números e o tanto de fórmulas a serem decoradas era desesperador, sufocante. As provas começavam daqui a uma semana, mas ainda faltavam três capítulos de física, dois de química, toda a complexidade das contas de matemática, entender como funciona o coração humano e a vida de algum pensador da Grécia antiga para decorar. E não pense que foi falta de organização! Porque a garota era reconhecida, não só por seus colegas, mas também pelos professores por sempre tirar notas acima da média. Mas ela sofria tanto! Hoje mesmo, no meio da aula, ela teve crises de choro. Não conseguia parar e se lhe perguntasse o motivo daquele drama todo, ela respondia ''Não sei!'' voltando ao chororô sem parar, aparentemente sem motivo.
O motivo estava bem ali, ou melhor, onde ela estava. Logo depois que o choro cessou, o professor de português entrou na sala. Português era fácil, quero dizer, é a nossa língua! Falamos todos os dias, usamos regras gramaticais sem nem perceber e, mesmo assim, somos forçados a trabalhar na nossa mente em como perceber numa frase onde está inserido a oração subordinada adverbial.
No outro dia, a garota teve de acordar às seis horas da manhã, para às sete em ponto, estar acordada e humorada o suficiente para aprender sobre uma túnica íntima das artérias compostas de endotélio, uma camada de células epiteliais achatadas. Ela não ouviu direito. Ter o sono interrompido para escutar biologia naquele horário não lhe era favorável, mas para seus pais sim, já que precisavam estar no trabalho no mesmo horário que ela aprendia o desnecessário.
Depois, ao chegar em casa, rolou alguns stories no Instagram e viu uma notícia de uma menina que tirou 960 na redação do ENEM. Por coincidência, sua mãe lhe perguntou da cozinha:
– Gabriela, já sabe o que vai fazer?
– Não, mãe.
– Já vai pensando. Seu irmão tá lá na federal cursando medicina, ele vai se tornar um doutor enquanto você tá aí no celular fazendo nada!
– Ô, mãe, tá bom! – ela respondeu – Que saco. – murmurou
Ela admirava tanto o esforço daquelas mulheres do século passado para que estivesse ali, ao lado de meninos e meninas estudando sob o mesmo teto, com os mesmo direitos. Mas sentia que não era merecedora depois de tanto sofrimento delas, não era merecedora porque não usufruía tanto quanto como aquelas mulheres gostariam. Será que elas realmente queriam que nós, alunos de todo o país, estudássemos que nem condenados numa sala assuntos que provavelmente estariam na faculdade, com poucos e curtos intervalos, mais parecidos com o modelo de prisão? Gabriela teve certeza que não.
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𝙊 𝙥𝙚𝙨𝙤
Short Story- CONTO - Uma reflexão sobre o sistema educacional do Brasil. Sei que por essa frase, parece ser um texto chato, mas acredite, ele vai lhe interessar. Tanto por ser curto, tanto por ter uma linguagem de adolescente desabafando horrores. - 🚫 PROIBID...