Luana não conseguia se acostumar com aquele trabalho, mas ao mesmo tempo, não conseguia sair dele. Mais uma vez, estava em uma semana de competições escolares. Era isso que ela fazia, organizava e produzia eventos para escolas de gente rica da sua cidade. E, na verdade, todo o processo de organização e produção eram ótimos, mas quando chegava a data do evento em si, é que o bicho pegava. A empresa era obrigada a enviar ela como representante oficial para ter certeza de que tudo estava funcionando da forma que deveria. Afinal de contas, quem melhor do que a própria organizadora pra ir, né?
Era o segundo dia de competições. A Escola Castro Reis era uma das principais da cidade e as mensalidades chegavam a preços absurdos, mas o programa de esportes era de fazer inveja até a quem não ligava pra essas coisas. Como Luana. Como parte do seu trabalho, ela passava o dia verificando as competições, conversando com alguns membros do staff e confirmando que as coisas andavam como deveriam. E estava tudo fluindo perfeitamente, até que chegou a hora do evento de premiação. Ao longo da semana, teriam algumas noites dessa para que os vencedores das competições fossem oficialmente anunciados para todos os alunos. E eram muitos alunos. Mais de 1.000.
Naquela noite, o apresentador não apareceu. Um comediante amador que tinha cobrado um preço baixo de Luana simplesmente sumiu e não atendia ao telefone. Naquele dia pela manhã, a equipe dele havia confirmado a presença, mas ele não apareceu mesmo. Luana estava desesperada e não tinha como arrumar um substituto 2 horas antes do evento. Eles estavam em um hotel, fechado para aquele grupo, há quase 2 horas da cidade, ou seja, logística impossível! Sem muitas opções, quando o relógio virou 20h, Luana virou dois shots de vodka pura, agarrou o microfone e foi ela mesma fazer o anúncio. Não tava se preocupando muito, afinal de contas, teriam outras noites como aquela e se agarrando a esse pensamento, se meteu no meio do ginásio, que estava lotado.
– Boa noite, Castro Reis! Estamos só no início da nossa semana de competições, mas já temos vencedores para anunciar essa noite!
É claro que ela ia acelerar aquele momento o máximo possível. Percorrendo os olhos pela plateia, ficou claro que ninguém estava muito interessado em quem ela era ou deixava de ser. Eles só queriam que tudo aquilo acabasse para que pudessem celebrar da forma que eles mais gostavam: fazendo festas nos quartos e bebendo mais do que poderiam. Para essa parte, Luana fechava os olhos, afinal de contas, seu contrato não incluía função de babá!
– Não vou prender vocês aqui mais do que o necessário! Hoje, vamos anunciar os vencedores das provas de atletismo!
Algumas palmas tímidas interromperam o discurso enquanto um dos professores da escola entrava com algumas medalhas nas mãos. Os donos daquelas medalhas já estavam colocados em uma fila, prontos para caminharem até ali e receberem as palmas dos colegas. Ou vaias. Vai saber!
– Nos 400m revezamento, em primeiro lugar, a equipe Vermelho Sangue!
Todos aplaudiram a entrada deles, mas sem muito entusiasmo. Era quase como um protocolo torcer para seus próprios colegas. A Escola Castro Reis tinha uma metodologia um pouco diferente. As equipes eram formadas por meninos e meninas de diferentes idades. O que importava, era quem corria mais na hora H. Idade, peso, tamanho, etc, nada disso fazia diferença.
– Agora, as provas individuais
Ok, agora a galera se levantou e parece que o barulho ia acontecer. Luana tremeu na base.
– Vencedora dos 200m feminino: A... Ashúa?
Luana simplesmente perguntou se aquele era mesmo o nome. E ela tinha certeza que sua expressão entregava a dificuldade em entender o que aquele papel queria dizer.
– É rasura!
Alguém na plateia gritou e as risadas que vieram a seguir tomaram o ginásio de forma estrondosa. Luana se sentiu incrivelmente mal. Ela sabia que devia ter lido antes o papel e, talvez, perguntado a alguém sobre como se falava o nome da vencedora. Justo da vencedora.
– É Áshua que se fala! – o professor, que segurava as medalhas, sussurrou para Luana.
Mas era tarde demais. A menina já vinha marchando em direção a ele, pegou sua medalha, colocou no pescoço e deu meia volta. E lá se foi a ideia de uma foto dos vencedores da noite. Luana apenas acompanhou a movimentação com o coração apertado. Mesmo que Ashua não tivesse dirigido o olhar a ela, deu pra perceber que suas lágrimas estavam sendo equilibradas na ponta do olho. Ela não iria chorar ali, na frente de todos, mas talvez fosse fazer isso no momento em que entrasse no quarto.
Voltando ao papel em suas mãos, Luana percebeu que só tinha mais uma pessoa pra anunciar e procurando acabar com a besteira que tinha feito, correu para o próximo nome!
– Vencedor dos 200m masculino: Andrei Almeida!
Aí sim o ginásio veio abaixo. O barulho que invadiu os ouvidos de Luana a fizeram perceber que aquele era o queridinho popular da escola. E é claro que todo mundo estava torcendo pra ele. Acenando, ele entrou correndo na quadra, pegou a medalha com o professora e iniciou, sozinho, uma espécie de volta olímpica. Não demorou para que seus amigos o pegassem no colo e o jogassem pra cima sem parar. Foda-se, não ia ter foto mesmo! Foi o pensamento de Luana ao desligar o microfone, devolver para a equipe de som e amassar o papel que estava em suas mãos. Ela deixou para trás toda aquela bagunça que havia se formado ali e seguiu rumo ao seu quarto. Ah sim! Que, por acaso, era no segundo andar, o mesmo onde estavam a maioria dos alunos. Aparentemente, nenhum professor quis aquele quarto e sobrou pra ela. Haja fone de ouvido essa noite!
Assim que saiu do elevador no seu andar, Luana percebeu que o silêncio ainda reinava. Os alunos deviam estar no ginásio e, daqui a pouco, tomariam aqueles corredores com gritos, bagunça, bebida e festa. Mas assim que virou à direita para chegar à sua porta, Luana viu uma garota de cabelos pretos e lisos entrando no quarto em frente ao seu. Ela reconheceu Ashua. O quadril largo, pouco característico de meninas que correm foi o que fez ela ter certeza de que era a menina que ela tinha envergonhado em frente à escola toda.
– Ei, Ashua, calma aí!
Luana gritou e correu até lá. A menina ainda olhou pra trás, mas não estava com um semblante muito receptivo.
– O que? – Foi a resposta da corredora
Luana não falou mais nada. O olhar frio, dolorido e a voz firme fizeram ela estancar o movimento. Era como se Ashua tivesse o poder de paralisar seu corpo apenas com a força do pensamento.
– Eu só queria me desculpar...
– O estrago já está feito... além do mais, eu não ligo para esse povo daí
E assim, acabou a conversa. Ashua terminou de fechar a porta do quarto e Luana ficou parada assistindo. Mas não deixou de reparar que seu quarto ficava em frente ao da menina. O seu era o 206 e a porta era na mesma direção do da corredora. Talvez no dia seguinte, quando a confusão passasse, ela tentasse se desculpar novamente. Tinha pra si que devia isso para a corredora, afinal de contas, ela pode ter estragada o momento de alegria da semana dela. E Luana sabia muito bem como era ter apenas poucos momentos de alegria na semana.
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Quarto 206 (Romance lésbico)
RomanceAshua e Luana não imaginavam que um erro em uma apresentação de medalhas levaria elas a encontrar alguém inesperado. Em meio a festas, competições, medalhas e eventos, era possível encontrar tempo para buscar o amor.