Único

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O ateliê costumava ser o seu lugar preferido no mundo. O cheiro de tinta, a bagunça das telas e as paredes cinzentas reafirmavam a sua própria essência. Assim que Izuna descia as escadas em direção ao subsolo para aquele lugar, a certeza de que estava no caminho certo surgia e o fazia sentir como se nunca tivesse surgido dúvida alguma a respeito.

Ele nunca foi bom em admitir fraqueza e desistir da arte depois de tudo que fez por ela - e tudo que ela fez por ele - era, para si, a maior das fraquezas, o maior dos erros e Izuna não errava, não se permitia errar, não por perfeccionismo, mas por orgulho.

Orgulho. Outra fraqueza. Outro detalhe sobre si que ele não admitia ter.

Sentado sobre o banco alto de tom rubro, ele encarava a tela em branco. O pincel era passado de uma mão a outra entre os dedos, um comportamento comum que ele tinha quando estava pensando.

Meses atrás, o tempo que se permitiu ficar observando a tela enquanto pensava seria tempo perdido, cada segundo sendo cobrado por si mesmo como outro dentre os piores erros e, embora não admitisse, era muito melhor poder produzir no seu tempo, foi muito melhor ter desfeito o contrato que o obrigava a entregar obras em períodos pequenos demais para que a sua arte se expressasse.

As vozes dentro de si - sua própria consciência cruel - o lembravam continuamente do quanto aquele era um sinal de fraqueza, mas houve uma voz mais alta, mais grave, séria e imponente que calou todas as outras. Essa última não era sua.

Por mais que não admitisse, Tobirama foi aquele que o fez tomar a decisão, foi aquele que o encorajou a pensar mais em si mesmo. Na época, nenhum deles falava sobre sentimentalismo, nenhum problema, nenhuma mágoa. Eles consolaram um ao outro em meio ao silêncio da companhia que não admitiam desejar tanto. Por mais que Izuna não admitisse, Tobirama sabia.

Os olhares julgadores vieram antes mesmo do anúncio do fim do contrato e Izuna riu diante deles, histericamente algumas vezes, talvez em uma tentativa de convencê-los que não se importava. Não era bem uma mentira, mas não era verdade.

No fim do dia, quando voltou para casa, o carro de Tobirama estava estacionado em frente ao prédio. Izuna colocou o seu no estacionamento e foi até lá, vendo-o deixar o veículo. Ele procurou por algum sinal de julgamento nos olhos avermelhados e temeu que encontrasse, ainda que fosse improvável.

A única coisa que viu foi o mesmo sentimento que enxergava ao se olhar no espelho, o mesmo sentimento que nenhum deles admitia, mas que depois daquela noite, não precisaram mais.

O beijo com sabor de vinho de Tobirama, o suspiro dele se sobressaindo ao som do filme cujo título já não importava mais, falou tudo que foi necessário, admitiu tudo que foi necessário, e a forma que Izuna o correspondeu admitiu mais do que isso.

Admitiu tudo.

Foram dois anos desde então.

Izuna estendeu uma das mãos e alcançou a aquarela sobre a mesa. O pincel pousou levemente sobre o preto e depois sobre o branco, um tom acinzentado sendo criado de imediato.

Os dedos se fecharam ao redor do objeto com leveza e o tom coloriu a tela em branco no deslizar suave das cerdas. Ele adicionou um pouco de azul, um pouco de verde, um pouco mais de branco e a paisagem começou a se formar diante dos seus olhos pelas horas seguintes.

Uma pausa para beber água fez com que observasse o ambiente externo através da janela. A neve cobria todo o quintal, assim como na pintura, deixando o local com o tom claro que, por mais que não admitisse, o lembrava de Tobirama.

— Estou em casa.

A voz o teria assustado se ele já não tivesse ouvido o som dos passos descendo as escadas. Ele encarou Tobirama, o coração batendo forte de uma forma estúpida quando um sorriso pequeno se formou nos lábios dele, e o viu desviar os olhos para a sua tela.

Admitir - TobiIzuOnde histórias criam vida. Descubra agora