Capítulo 4

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Minha mãe é a mulher mais foda que eu conheço!

Ela é a terceira filha de um casamento onde meu avô, que era branco e de família de posses, perdeu tudo por se casar com uma mulher pobre e negra.

Eles foram morar em Sambaqui um bairro na época habitado na sua maioria por pescadores. Minha mãe nasceu na extrema pobreza.  Ela conta que tinha dois vestidos feitos em casa com um tecido de saca, muito simples, na época usado na indústria de alimentos para embalar produtos como arroz e açúcar.  Ela e seus irmãos tinham duas roupas, dessas eles tinham que se virar no verão ou inverno e enquanto uma estava lavando a outra estava no corpo. Não havia luz elétrica para os mais pobres, então a iluminação era na vela ou lampião, a comida conservada com sal e o banho era de canequinha. Enfim, ela passou muita necessidade, muito mesmo, mas se considerava feliz por ser livre e brincar na rua sem medo.

Ela e outra irmã mais velha faziam as voltas da rua, de mercado e tal e como na época tudo era longe elas se divertiam muito juntas, eram inseparáveis, ela sempre contava das frutas que roubavam da vizinhança e dos banhos de mar que tomavam para limpar as roupas sujas de frutas e que tinham que ficar no sol esperando secar para voltar para casa. Um dia ela me contou de uma situação com a minha avó, que já estava desconfiada que elas roubavam as frutas, e fez ela jurar que jamais passaria na porteira da casa de alguém para roubar e minha mãe respondeu que jamais faria isso.

— Eu jurei para minha mãe naquele dia, e quer saber? Não sinto remorso, pois jamais passei por uma porteira para roubar frutas, eu sempre passava pela cerca de arame farpado. E assim era a dona Izabela.

Minha avó Lucia e meu avô Antônio eram pessoas com personalidades totalmente diferentes, porém sempre foram apaixonados. Era uma relação rara de se ver, de respeito e amor genuíno. Embora muito humildes, fizeram pelos filhos o que foi possível, sempre ensinando através dos melhores exemplos, mesmo com tanto esforço nada foi fácil.

A relação da minha mãe com os irmãos sempre foi conturbada, a minha vó tinha preferência pelo caçula José, único filho homem. A tia Eva, que tinha a personalidade difícil igual a vó Lucia, Amélia que era a amiga de aventuras da minha mãe e a Raquel, essa era um caso à parte,

A mãe conta que a Tia Raquel e a tia Amélia estavam voltando ao meio-dia da escola quando viram um homem de preto em um monte próximo a estrada, passaram de cabeça baixa e “aquilo” começou a perseguir elas, começaram a andar mais rápido e correndo chegaram em casa. Ao chegarem, as duas em estado de pânico, começaram a gritar por ajuda para minha vó, que já estava irritada por não estava conseguindo fazer o fogão a lenha acender, começou a excomungar as duas em uma crise de ira.

 De repente a tia Raquel caiu no chão com os olhos revirando, espumando e se debatendo, depois deste episódio isso ocorreu inúmeras vezes, como na época a saúde era mais precária que hoje, ninguém sabia explicar qual era o problema da tia Raquel.

Os anos foram se passando e as crises da tia Raquel só pioraram, ela começou a retroceder mentalmente. Houve ocasiões em que meu avô precisou amarrar ela com muita força até a crise passar. Quando a minha mãe contava essa parte da história, ela ficava muito triste; sempre dizia que minha avó amarrava a filha e saia pra chorar e a cada crise da tia o vô ficava mais doente. Depois de muitos anos meu avô encontrou um curandeiro, que fez alguns tipos de procedimentos típicos da época, com benzeduras e garrafadas entre outros e prometeu que tia Raquel nunca mais teria aquele tipo de “ataque” a partir daquele dia e ela nunca mais teve.

Quando minha mãe ainda era muito pequena ela estava em uma festa de são João, esse evento acontece sempre no mesmo local do bairro e por ser uma comunidade tranquila as famílias se reuniam, e até algumas crianças acabavam indo sozinhas, durante a festa era costume soltar foguetes feitos de bambu. Minha mãe passava pelo local acompanhada da irmã quando um desses foguetes caiu em sua cabeça.

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⏰ Última atualização: May 07, 2023 ⏰

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Gaia Memórias à Beira MarOnde histórias criam vida. Descubra agora