•Sinuoso•

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Ele marchava à frente, cruzando a rua com o amigo logo atrás, sobem o meio-fio da calçada.
— Vai fazer o que no fim de semana? — indagou o amigo.
— Nada, só descansar.
— Arrume sua bicicleta porquê nesse horário o sol não perdoa!
— Tem razão...a gente se fala.
— Beleza, até segunda. — disse ele entrando no cruzamento.
— Tchau! — exclamou ao longe.
      Continuava andando à frente, logo viu a descida íngreme da rua. O vento em seu rosto suavizava o calor do meio-dia. Havia um carro parado ao outro lado da via, um homem no banco do passageiro fumava um cigarro. Com seu braço apoiado na janela batucava com os dedos no ritmo da música. Aquela melodia no rádio era familiar.
      Olhando adiante viu uma placa de velocidade máxima (40 km/h). Por que esta estava ali? Era uma rua tão pacata, mas que supostamente um dia fora avenida. A música gradativamente mais longe, enfim cessou-se. Subindo em direção à encruzilhada passou pela sombra da mangueira na qual o sol o perdia. À frente outra descida íngreme, ao longe viu um carro assustadoramente parecido com o outro –  a música tocava novamente.
      Testemunhando em volta, observou que tudo era semelhante, tudo era igual. Ao lado do carro se-atentou que o homem não estava lá, apenas o rádio ligado. O sol progressivamente ficava mais distante, mais rápido que o normal. Encontrava a sombra da árvore mais uma vez. Logo havia uma descida íngreme. A mesma descida. A sensação de estranheza e medo que eram abstratos em sua mente tornaram-se real. O exato carro, as mesmas casas, a idêntica árvore...
      A canção não tocava mais, mas ao observar atentamente, uma fumaça cheirando a tabaco saía pela fenestra. O veículo encontrava-se ligado. Começou a apalpar os bolsos buscando o celular.
9% de bateria. 15:24
      O tempo tinha passado excessivamente rápido. Tentou ligar para sua mãe, não havia sinal. Mais adiante tentou telefonar seu amigo, o número não existia. Ao ver a data parou de se locomover – marcava dez anos atrás. Ele sentia as batidas do coração pelo corpo todo, ansiedade. Com anseio, apertara os passos novamente. Agora andava com rapidez. Próximo à árvore sentiu um cheiro estranho, continuou. A descida íngreme, o carro, as casas, a árvore mas dessa vez tinha algo diferente – Uma pessoa queimava no meio da rua, assim como todas as outras coisas. O fogo estralava em um cheiro horrível.
      Em choque deu às costas e correu em uma nova subida na qual não estava ali. No topo viu o mesmo cenário, a descida íngreme, o carro, as casas, a árvore. Continuou correndo, mas tropeçou e despencou da rampa. Caiu na frente de uma casa, mas ao levantar viu rostos com olhos brancos nas janelas...virou-se...todas as janelas.
      Desandou a correr em direção ao carro, o joelho sangrava. Tirou a mochila e jogou a no banco do passageiro, entrando pela janela em desespero. Se aliviou ao ver a chave na ignição. Ligou o motor e deu um sorriso em esperança de conseguir retornar ao normal. Ao pisar no acelerador se deu conta de que o carro não se locomovia. Em torno de tentativas desesperadas ele pegou a mochila e em seguida deixou o carro.
      Derramava lágrimas com a cabeça baixa evitando encarar os olhares macabros. Coçando a cabeça se sentou na calçada, via a escuridão emergindo no horizonte. Pegou o celular.
21:32
10/11/1400
      Os olhos brancos agora cintilavam nas janelas das moradias. Naqueles olhares presenciou seu passado como um todo, totalmente em branco, se lembrava apenas de seu reflexo e uma fala que ouvira, ficou sem reação alguma. Sem pressa levantou-se. A luz amarela iluminava toda a alameda. Seguiu caminhando.
      (Subida, árvore, descida íngreme, casas, chamas...)
      O fogo se alastrava pelas casas enquanto o sol surgia outra vez.
23:55
10/11/0054
Sangue escorria do seu nariz e ouvidos no tempo em que o fogo ardia em sua pele, como brasas no verão...
      (Subida, árvore, descida íngreme...)
      Repentinamente parou e observou a si mesmo em frente à árvore, no qual, em silêncio, voltou rapidamente de onde veio e  desvaneceu.
      (Subida, árvore...)
Aquela frase repetia em sua cabeça (o sol não perdoa...)
00:00
00/00/0000
      (Subida...)

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