De volta às raízes

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Era de se esperar que nessa época do ano as coisas fossem ficar “congeladas”. Estou há uns vinte minutos parada no acostamento da Rodovia Jackson. Isso porque, já não havia neve o bastante para o município de JacksonVille, com suas ruas congestionadas e metade do comércio fechado. O inverno tinha decidido mandar mais, e eu pagava o pato por estar na hora e momento, errado.

A claridade do meu celular me despertou para encará-lo. Era papai.  

─ Está vinte minutos atrasada.

Sempre um doce.

─ Estou batendo um papo com a neve de JacksonVille. Ela não está muito disposta a ceder o caminho.

Ele suspirou do outro lado da linha.

─ Certo... o que houve?

─ Meu carro enguiçou na Rodovia Jackson. Estou parada no acostamento há quase meia hora. Por Deus...

─ Acalme-se Scarlet. Não é o fim do mundo.

─ Diga isso depois de dirigir setenta e duas horas. É quase uma ida ao Polo Norte. Agora entendo porque Santa Claus usa Renas voadoras.

─ Para manter a magia do Natal, certamente.

Deixei escapar um riso sem vida. Com certeza não é por espírito natalino.

─ Pois bem... a ajuda já está à caminho. Preciso ir agora, nos vemos daqui há uma hora querida.

Os minutos se arrastaram para horas e eu já não aguentava mais ouvir sobre a famosa torta de pêssego de JacksonVille na rádio.

Estava ao passo de enfrentar neve à dentro, passo à passo, quando ao longe avistei um caminhão reboque.

“Harrison Company” gravado na lataria, e eu só pude respirar aliviada assim que o mesmo parou frente ao meu carro.

A silhueta esguia, contrastava em perfeita sintonia com os ombros do homem que veio ao meu encontro. Uma paisagem atípica a julgar pelo cabelo desgrenhado e roupas de couro, lembrando um rockeiro rebelde.

Abaixei o vidro embaçado pela geleira que fazia do lado de fora o suficiente, e puta merda!

─ O que temos aqui?

A voz aveludada, o olhar baixo e sua presença só não me fizeram derreter porque estava com o ar condicionado do carro ligado. Embora eu pedia mil perdões em pensamento por desejar um homem com idade para ser meu irmão.

Se controla Scar.

─ Um carro enguiçado e uma donzela em apuros. Você deve ser o príncipe que veio me resgatar.

Ele riu baixinho.

─ Fico feliz por ser. Apesar de duvidar que você costuma ser esse tipo.

─ O que você quer dizer?

─ Não me entenda mal, você só parece o tipo que sabe se cuidar sozinha.

Seu julgamento era bom. Mas eu não daria à ele esse gostinho de ter me sacado logo de cara.

─ Você não parece o tipo do príncipe encantado também, embora eu duvide que não banque um para damas perdidas por aí. As vezes é bom ceder os papéis dependendo do objetivo.

Sua carreira de dentes brancos e alinhados ficaram bem evidentes depois disso.

─ Bom... o que seria do espírito natalino sem um pouco de caridade.

Passou a língua nos lábios lentamente. Não consegui conter a minha atenção para os lábios rosados, cheinhos e...

Um pigarro.

─ É como dizem... ─ Soltei sem pensar. Mirei seu olhar novamente, ele provavelmente deveria ser bem mais novo que eu, e a julgar pelas minhas experiências, havia um bocado de intenções obscenas naquele par de olhos castanhos.

─ Parece que hoje é seu dia de sorte então, e sorte a minha que eu não tenho uma torre para escalar.

─ Você acabou de mencionar três mulheres diferentes, de qual delas se aplica a mim?

O olhar perplexo em contrapartida me fez segurar um riso.

─ Há tantas assim? Tsc... Agora você entendeu porque esse lance de príncipe não é minha coisa.

Não consegui conter uma risada. Sua expressão azeda contextualizava que tudo o que havia pelo lado de fora caminhavam em sintonia com o lado de dentro.

Ele havia me oferecido o banco do carona ao seu lado, e mesmo relutante dentro de mim, aceitei a oferta a fim de obter mais informações do meu príncipe encantado.

─ Então... você tem um nome ou posso te chamar de Rapunzel?

─ É Scarlet. E você, tem um nome ou eu o chamo de Flynn Ryder? Talvez Shrek?

─ Devo admitir, há um semelhança, meu charme é uma rocha bruta incomparável.

Dei risada.

─ Acho que você quis dizer presunçoso.

Ele deu de ombros.

─ Talvez... Mas se quiser pode me chamar de Jason.

─ O conceito de pertencimento não é muito a sua praia, não é?

─ O que isso significa exatamente?

Seus olhos semi-cerrados saíram da estrada para a minha direção em breve momento.

─ Bom, primeiro você deixou minhas opções em aberto, mas agora que sei que você é um tipo diferente de príncipe, ainda só sei seu primeiro nome.

Ele riu. Realçando a covinha na bochecha.

─ Jason Harrison, Rapunzel.

─ Então você é o rosto por trás da famosa Companhia Harrison?

─ Só quando eu preciso resgatar donzelas em apuros. Toda a parte burocrática e chata é com o meu irmão. Essa realmente não é minha praia.

─ Oh... então é um negócio de família. Estranho, eu nunca ouvi que haviam dois irmãos na família Harrison.

De repente percebo que meu pensamento soou mais alto do que eu gostaria. Jason pigarreou e então riu.

─ Desculpe, eu não queria-

─ Sem problemas. Não dá para fingir que o povo não especula sobre esse boato.

─ Não quero me intrometer, cresci nessa cidade ouvindo todo tipo de coisa. Cidade pequena, você sabe como é.

─ Que graça teria a curiosidade se as pessoas simplesmente perguntassem, huh?

O tom brincalhão me arrancou um sorriso. Embora eu sentisse que havia mais ali do que ele realmente me falaria.

O resto do caminho foi silencioso. As estradas começavam a ficar ainda mais intransitáveis com outra onda de nevasca que começava a cair. Pouco tempo depois, parávamos em frente a pousada da cidade.

Com a porta do carro aberta, me deparei com outra nova dificuldade. A neve estava densa, e minhas botas de salto alto não ajudariam em nada.

─ Precisando de uma ajudinha?

Jason apareceu na minha frente, estendendo a mão para me ajudar a descer, então simplesmente envolveu o braço por baixo dos meus joelhos e me carregou no colo até o lado de dentro do saguão.


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Feito Cães & GatosOnde histórias criam vida. Descubra agora