Em meados dos anos 80, em uma pequena cidade da Coreia do Sul, Tiffany Hwang encontra em Kim Taeyeon o manifestar do rebelde, liberal e ousado. Experimentar o real sentido do primeiro amor era extraordinário, mesmo que, como efeito colateral, precis...
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Noksaek, 1979
1.
Talvez fosse uma camiseta velha ou quem sabe uma camisola longa, apesar de também parecer muito com uma toalha excessivamente usada. A cor branca não se assemelhava a um tom bonito e claro como o do algodão ou mesmo como dos pelos de um gato Khao Manee. Era desagradável. Um tom sujo, esquisito e nada confortante. Os grandes olhos esverdeados eram incômodos; verde como lodo do esgoto, e o sorriso, tão vermelho quanto sangue vivo, transformava toda a cena num pesadelo.
Tiffany Hwang deu um passo para trás diante da imagem. A roupa (toalha ou camisola – seja lá o que fosse aquilo) esvoaçou como se prestes a soltar-se do varal em que se prendia, apontando diretamente na sua direção com um sorriso assassino e faminto capaz de arrepiar até mesmo o mais corajoso dos homens.
Esbugalhando os olhos em puro horror, ela abraçou o skate contra o corpo antes de deixá-lo escorregar de suas mãos sem sequer perceber. O impacto do objeto – que mais era uma imitação do skateboard em si – ao cair na rua de pedra com um baque, acrescentou ao seu espanto. As rodas da prancha de madeira giraram lentamente e, apontando para o céu, riscos rasos feitos por uma lâmina formavam um rabisco na parte inferior. Se tratava do desenho de uma flor de cerejeira. Tiffany havia traçado o rabisco com o canivete de Taeyeon, que se ofereceu para finalizar o desenho e jogar uma tinta cor-de-rosa por cima no intuito de deixá-lo tão bonito quanto as artes nos skates dos garotos do Billionaire Boys Club – grupo famoso de skatistas que, apesar de não serem de fato bilionários, eram pelo menos três vezes mais ricos que os pais de sua amiga Seohyun.
Há quase vinte anos skates já eram oficialmente fabricados e vendidos, entretanto, o preço continuava inalcançável para famílias de baixa renda. Tiffany e seus amigos – com exceção de Seohyun – fabricavam os seus por conta própria, encaixando rodas de patins que encontravam no ferro-velho dos irmãos Chang em tábuas ou caixotes.
A Roupa Fantasma (título dado pela garota em questão que estremecia por tamanho medo) voltou a esvoaçar, dessa vez realmente parecendo pronta para voar em sua direção e devorá-la por inteira, deixando como lembrança apenas o skate velho e rabiscado. Porém, ao invés disso, tudo o que sentiu foi uma mão fria tocar o seu braço.
Ela gritou no mesmo instante, apavorada e pálida, mas no fim das contas era apenas Taeyeon.
— O que está fazendo aqui sozinha?
— Eu... Estava dando uma volta.
— Não parece. — Ela apanhou o skate do chão. Estava vestindo uma camiseta da banda Led Zeppelin – que Tiffany tinha certeza pertencer ao seu irmão –, calça jeans e um tênis gasto rabiscado. O cabelo liso e loiro, preso num rabo-de-cavalo e protegido do sol por um boné preto que começava a perder a cor, parecia um pouco mais longo. Como era de costume, atrás de sua orelha exibia-se um cigarro. Tiffany sorriu. Taeyeon tinha uma beleza selvagem, embora com um toque singelo, que a encantava. — Veio atrás daquela tal Roupa Fantasma de novo, não veio?
