Era a calada da noite;
Estava escuro, e estava frio.
De luz, só havia Jaci prateada
De cheiro, só a relva molhada.
Úmido orvalho, aroma de verde mato
A Terra! A lama entranha nos pés,
Nas veias;
Sentia o pulsar dela.
Havia chovido aquela tarde.
Não se escutava voz de bicho, nem de gente.
Era ele e o vento;
Nos urros das árvores.
Ajoelhou-se no tapete de folhas;
E ficou, longos minutos
Inspirando, expirando, inspirando.
E se entregando a Grande Mãe.
- Nhandecy...
Então, com a mesma lama, pintou-se a cara.
Pintou-se os braços, o peito, as pernas;
Fazia-se em manchas, se dava pintas de terra.
- Devolva-me. Ce ayvu! Devolva quem eu era!
Se pôs de quatro como os animais
E logo, sumiu no mato.
Estava caçando.
Mas não caçava veado, preá ou tatupeba.
Nem paca, nem cutia, nem queixada.
Caçava gente.
Não! Caçar não.
Muito pesada a palavra...
Queria recuperar o que era seu
Somente.
Seu direito de homem:
Um belo canarinho que fugiu de sua gaiola.
Com seu canto entristecido, ele acordava
Com seu "piu" de martírio, ele sonhava
Sua maior riqueza, eram quelas penas de vivo dourado.
Se não encontrasse o bicho, morreria.
De solidão, e coração partido
- É madrugada escura, "sinhô". Num vamo acha-lo mais não.
Disse um dos homens do pelotão.
Bem verdade, a Lua estava alta;
Brilhava tanto que alumiava toda a terra
Em cor de prata.
Mas como bom luso, teimou a luta.
Não desistia.
Atirou-se na mata mais fundo
Pois ora! Já havia navegado mares mais profundos
Domara legiões de povos e mouros;
Feras marinhas, e o Adamastor.
Podia muito bem contra um "chapim"
E armado na coragem e na espingarda
Desapareceu no mato.
Era uma onça; uma iguará
A maior das pintadas
Feroz aruá
Arisca iguareté
Rosnava expondo os caninos
Olhos agateados em fúria.
Os homens em medo paralisado,
Criavam raízes nos pés
Imobilizados.
A Iguará o encarava
Em aviso.
Que não se aproximasse mais
E deixa-se livre seu caminho.
Mas de novo, o caraíba pecou
Na ganancia, na arrogância
Cego por poder e sangue,
Apontou a arma.
Ameaçou atirar.
Não havia remorso,
Seu espírito estava possuído
Por Anhangá.
Os orbes da Iguará
De raiva passaram para medo
E uma quase tristeza;
Como que implorassem.
Implorassem que o luso recobrasse a clareza.
Os olhos de pixuna brilhando
E dizendo:
"Não. Não faças isso. Você não é assim."
A carabina continuava a aponta-la
"Não atire! Só quero ser livre! Me deixe ir em paz!"
O português ouviu foi rugido
E pensando que ia a tigre atacar
Não pensou segunda vez.
Desceu fogo de bala;
E lá foi pro chão
A Iguará.
Ficou a ver a pinima
Agonizar a dor
Vendo sumir o brilho
Daqueles olhos felinos
Daqueles olhos humanos
Olhos; âmbar.
- Não! Nãoo!!
Luso se lançou no corpo do gato
Em um doído pranto
Amargo choro
De dor aguda
De pesada culpa
Infeliz caraíba,
Em quem atirou?
Mirou na onça, acertou no amor.
Matou o próprio chapim
Que tanto procurava;
Que agora não cantava.
Luso tinha nos braços;
Agora via
O que fizera.
Um homem-onça
O Jaguaretê Ava.
Moribundo;
Meio vivo, meio morto.
Com pintas de lama,
Na cara, nos braços.
- Me perdoa! Me perdoa, meu amado.
Tentava reviver o moço,
O seu canário.
- Não me deixes. Eu morro junto!
Naquela noite, um esturro calou no arvoredo.
Viveu o homem
Mas morreu a Iguará.
Por: Amanda De Lucca
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A Morte da Iguará
PoetryO que os olhos do caraíba não vêm As mãos destroem. A terra morre.