A sacada do pequeno prédio de dois andares me dava uma visão completa da casa ao lado. As luzes douradas que refletiam os aposentos da garota morena que residia ali fazia que minha atenção se impregnasse nela durante dias, desde minha mudança para Santa Mônica. O bairro era privilegiado, a localização muito boa e possuía otimas faculdades por perto. Seu ponto ruim é que, comparada a cidade que eu vivia antes, Santa Mônica se igualava ao campo. Durante os primeiros dias, o que me chamou atenção naquele cômodo foi a decoração autêntica. Lisa possuía alguns instrumentos de cordas pendurados na parede, como um violão jumbo e um ukulele pintado. Avançando alguns passos no futuro, eu percebi que a situação financeira de Elisa não era tão boa como a da minha família, que havia se mudado para aquele lugar apenas para esfriar a cabeça. A vizinha realmente trabalhava, e em um emprego quase fora da minha realidade. Algum tempo depois enquanto a observava voltar para a casa suja de graxa e com macacões rasgados, comecei a ir mais a fundo na vida da garota e descobri, assim como se não quisesse saber de nada, que Elisa trabalhava em uma oficina mecânica, propriedade do senhor Carlos, duas esquinas depois da Rua das Graças, onde morávamos.
Meus pais são donos da Lírio’s, marca autoral de roupas criada por minha mãe nos anos noventa. Comparada ás redes de fast fashion pelo país, a empresa voou para o alto desde sua chegada no mercado, arrecadando grandes fortunas e fãs por onde passavam. Muitas vezes dona Marta, minha mãe, foi comparada a genialidade de Coco Chanel - o que ela se gaba imensamente por isso até hoje, trazendo esse título para o Brasil mesmo após a fashion week. Com uma carreira estabilizada, conseguiram vestir grandes nomes artísticos e não pretendem parar por ai. Para mim, trabalhar nunca foi uma realidade. Vivo pelos melhores lugares e frequento as melhores escolas, tendo tempo total para me dedicar aos estudos e a prosperar no futuro. Convivo com os melhores professores e as melhores aulas de música que consigo acessar, levando em conta que desde pequena o piano e o violino sempre foram uma paixão. O pesadelo só ocorre quando a conversa fica séria, e assumir a poltrona de chefia da Lírio’s passa a ser um assunto na mesa de jantar. Definitivamente a moda não é minha área.
Dos pés a cabeça, me vejo com sapatilhas baixas e brancas, um vestido amarelo e os fios loiros presos em um rabo de cavalo. A armação redonda dos meus óculos de metal demonstram que minha miopia seria muito alta para que eu usasse lentes de contato e desfilasse em uma passarela após dar vida a uma coleção de sucesso, que seria vestida por modelos esqueléticas que sorriem antes de desmaiar de fome. Me arrepio ao pensar. Meu futuro deverá ser na orquestra de São Paulo, talvez até em Julliard. Não aqui. Não mesmo. Ser a filha perfeita havia atraído um futuro planejado especialmente para mim. Isso não acontecia com meu irmão mais velho, Douglas. Era sempre Maria Lírio quem tinha que arcar com as responsabilidades. Observar Elisa em seu habitat natural me livrava de qualquer pressão que eu poderia sofrer naquele momento. Ela vivia de uma forma leve, hipnotizadora, que eu gostaria de ser. Eu gostaria de saber como ser tão viva quanto ela e como não deixar que minha vida se resuma a observá-la viver.
Minha timidez jamais deixaria que eu tivesse uma aproximação sutil. Com certeza eu seria mais uma das garotas que ficavam obcecadas por ela e pela sua banda de garagem que ela fazia questão de ensaiar perfeitamente durante todas as quartas feiras do mês. Ela gostava de Red Hot Chilli Peppers, e também cantava Oasis quando estava desanimada. The Smiths era uma das preferidas, mas ela possuia uma bandeira do Jim Morrison em seu quarto, logo atrás da mesa do computador que sempre espelhava um aplicativo de edição, onde ela possivelmente fazia desenhos digitais supertalentosos bem de frente para a minha janela. Eu deveria comprar binóculos para observá-la melhor.— Você está desenvolvendo uma certa obsessão por essa menina, não tá? — Douglas disse enquanto dobrava uma das milhares de roupas jogadas pela cama. — Malírio, mais um gay nessa família e ela desmorona, tá legal?
Um dos motivos mais plausíveis para nossos pais não deixar a Lírio’s aos cuidados de Douglas, era o fato de ele ser homossexual. Sua noção de moda era uma dádiva entregue por Deus a ele, quase uma cópia de mamãe no começo da marca. Desde que ele saiu do armário, em dois mil e dezenove, nossos pais o tratam com certa diferença, o que causa grandes confusões em casa.— Eu não sou gay, Douglas! — Eu me afastei da janela após terminar de observar o cômodo vazio. — Só gosto de assisti-la, como… Sei lá. Um filme.
Um documentário bem sexy de estrelas do rock.
— Sei, sei bem o filme que você imagina enquanto ela toca aquela guitarrinha preta, né? Boba! Não precisa mentir. — Ele fez o sinal da “guitarrinha”, caindo em gargalhadas logo em seguida.
Eu revirei os olhos, me jogando na cama e encarando o teto de madeira. Eu gostaria de dizer a ela que ao menos também conheço as antigas dos irmãos Gallagher. Ou sei lá, que gostava de instrumentos de cordas e também admirava a forma psicodélica que o Jim Morrison escrevia poemas. Isso não era ter um crush em alguém, certo?
— Você deveria falar com ela. Dizer um oi, ao menos. — Ele sugeriu enquanto guardava minhas roupas no armário. Eu torci o nariz involuntariamente. — Ir em um ensaio dela na garagem, passar por lá de bicicleta…
Eu permaneci em silêncio, erguendo as sobrancelhas.
— Um relacionamento seria uma boa forma de dizer ao papai e a mamãe que você não é perfeita, Maria. Poderia dizer que beijar pessoas do mesmo sexo não significa nada em relação a competência empresarial. — Ele continuou, me fazendo levantar imediatamente e me sentar na cama.
Será que se eu me relacionasse com uma garota e meus pais descobrissem eu seria poupada de assumir a empresa da família? Seria ótimo tanto para mim quanto para Douglas, que finalmente assumiria seu cargo. Eu suspirei animada.
— O fato de você ter que estudar na mesma escola que ela já é um ponto bom. Daqui a uma semana estarão se vendo nos corredores. — E ele continuava.
Eu seria transferida para uma escola técnica para terminar o ensino médio. Desde que mudei para Santa Mônica ainda estava em férias escolares. Por um bom acaso, era a única escola próxima ao bairro que não ameaçasse o bom empenho e educação que eu recebia no colégio da capital. E por destino, era o mesmo de Elisa, que estava aparentemente no terceiro ano, segundo suas redes sociais. Não seria difícil me apaixonar por ela. Ter um relacionamento com Elisa era outra história pois, até então, eu nem ao menos sabia se gostava de garotas.
— Eu a acho bonita. Ela é interessante também. — Eu admiti. — Mas e se ela tiver outra pessoa? Esse plano jamais daria certo.
— Quem mais daria certo a não ser uma vizinha gostosona com panca de bad girl e várias tatuagens antes dos dezenove? Ela é o plano perfeito, Lili. Vai por mim! — E novamente estava eu, observando a garota chegar em seu quarto e desabotoar o macacão antes de caminhar até o banheiro.
Aquele era o plano mais fútil de todos os tempos.
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🌸 Oi leitores! esse é nosso primeiro contato e espero que tenham gostado de conhecer um pouquinho dos personagens. Alguns erros serão corrigidos (algum dia) e peço desculpas por isso. É meu primeiro livro na plataforma e estou muito animada com o processo!
Até!
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O Plano Mais Fútil de Todos os Tempos | ♀️
RomanceCOMO NÃO SER A FILHA PERFEITA 1. Parar de usar roupas de boneca. 2. Chegar mais tarde em casa. 3. Arranjar uma péssima namoradA, com a. A vida da herdeira Maria Lírio está prestes a mudar com o plano mais futil de todos os tempos. Para não assumir a...