O melhor conto de todos os tempos
Henriques D'Avila, um escritor de contos iniciante, era tudo menos promissor ou talentoso. Sua mediocridade era evidente. Todavia, estava atado a um compromisso: assinara um contrato com uma pequena editora de confiança questionável para publicar uma antologia. O prazo era de três meses. Aquele dia, o último, e ainda faltava um conto.
O relógio marcava seis horas e três minutos quando o telefone tocou. Era Carlos, o editor.
— Como está o meu conto? Conseguiu terminar?
— Bom dia, Carlos. Estou ótimo, e você? — respondeu o escritor entre bocejos.
— Estressado, e o motivo é você. Não temos mais tempo, meu emprego na editora tá dependendo dessa publicação, o futuro de ambos depende de você. Então, escreveu o conto?
— Não, na verdade eu sequer comecei, como eu te disse antes, estou num bloqueio criativo.
— Então trate de se desbloquear, você tem até meia-noite de hoje pra me entregar esse conto, não consigo fazer nada por você se não me enviar dentro do prazo. Você assinou um contrato, lembra?
Henriques nunca foi do tipo que lia as letras miúdas. Assinava contratos despreocupadamente, sem atentar aos riscos e condições. Assim também tratou com amigos, trabalho e casamento, e quase sempre acabava traído. O contrato em questão possuía uma cláusula crucial, naturalmente ignorada pelo parvo escritor: se não entregasse o trabalho dentro do prazo estabelecido, arcaria com o ônus da editora e teria o trabalho de publicação descontinuado. No entanto, Henriques não aceitou o contrato por leviandade; aceitou-o por estar desesperado, com dívidas e desempregado, precisando do dinheiro.
Ele se levantou sem pressa, ainda entorpecido pelo lento despertar, e tomou um banho demorado. Vestiu-se para trabalhar e preparou um café forte. Saiu para comprar pães para o desjejum e, ao retornar, tomou seu café tranquilamente enquanto lia notícias e verificava as redes sociais no celular. Em nenhum momento pensou no trabalho iminente, no prazo apertado, na cláusula contratual ou no bloqueio criativo que enfrentava.
Após o ritual do despertar matinal, Henriques pegou outra xícara de café e fechou as cortinas, preferia trabalhar na penumbra. Algumas lâmpadas embutidas forneciam uma fraca luz amarelada. Sentou-se diante do computador e passou alguns minutos olhando para a tela em completo silêncio, durante o qual sua mente foi pouco a pouco preenchida, estufada e alargada pelo peso do real. Não havia mais espaço para pensar nem espaço para criar.
Quando se deu conta, uma hora se perdeu por entre seus dedos trêmulos, seus batimentos cardíacos estavam descompassados, começara a transpirar, apesar do frio que fazia naquela manhã de inverno. Sua cabeça latejava e seus membros pareciam feitos de gelatina. "Não vou conseguir" ele pensou abaixando os olhos, largando os ombros e afundando na cadeira, quem o olhasse neste estado, juraria se trata de um saco grande de lixo esquecido sobre uma cadeira velha. Foi quando rogou aos céus e ao inferno, a quem lhe ouvisse que lhe desse uma ideia para escrever.
Aos poucos Henriques se recompôs. "Que besteira" pensou, afinal nunca fora um homem de fé. Ajeitou-se na cadeira, pousou as mãos, agora firmes, sobre o teclado e escutou. No início mais como uma sensação, quando tentou escrever novamente, escutou outra vez, dessa vez mais vivido, mais presente, era como um burburinho distante, se aproximando, ganhando intensidade e presença, preenchendo o apartamento. O som vinha de baixo, ele tinha certeza, então abaixou-se e pressionou a orelha contra o chão, "poderia ser do apartamento no andar debaixo", pensou. Não, não vinha de lá, estava na cabeça dele, e de repente silenciou.
Henriques deu de ombros e buscou o apoio da escrivaninha para se levantar, quando seus olhos alcançaram a sala além da mesa o susto o devolveu ao chão. Havia um homem sentado na penumbra, no meio da sala. Não podia ver com nitidez, mas podia notar que era um homem vestindo um terno preto perfeitamente alinhado, sapatos brilhantes, no rosto trazia um cavanhaque, duas protuberância sobre a testa, a pele parecia ser avermelhada e aqueles olhos amarelos brilhantes como os de um predador noturno. Ele sabia o que era, ou melhor, quem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O melhor conto de todos os tempos
NouvellesHenriques D'Avila está numa enrascada. Endividado e desempregado, comprometeu-se a entregar uma antologia de contos a uma editora de reputação duvidosa. Com o prazo final se aproximando e sua inspiração em frangalhos, Henriques teme não conseguir cu...