Uma ave irritante e barulhenta ronda meu escritório. Seus olhos sempre muito bem escondidos pelas lentes avermelhadas do óculos que não sai de sua face cínica por nada estão cravados em minhas costas e finjo ignorar. Mesmo que sua presença não seja algo que se possa considerar ignorável.
Ele balança suas plumas rosadas e como eu gostaria de enfiar cada uma delas dentro de sua garganta assim que ele abrisse a boca para grasnar mais uma de suas ideias malucas e que custará boa parte dos lucros do mês.
Donquixote Doflamingo é meu sócio por tabela na empresa e responsável pelo setor de marketing. Realmente, um setor que combina excepcionalmente bem com sua aura de exibido, idêntico a uma ave emplumada se mostrando em época de acasalamento. Irritante, ordinariamente irritante.
Por infortúnio do destino, comprei parte das ações da empresa de Corazón, um colega da época de faculdade, e, infelizmente, para mim, Doflamingo veio de brinde naquele pacote, afinal, era o irmão desse meu colega.
Nos desentendemos logo de cara. Ele era irritante demais para ser suportável.
Reergui a empresa com mão de ferro e melhorei exponencialmente os lucros da empresa que estava à beira da falência, falência essa explicada pela existência daquela maldita ave e seus absurdos financiados por seu irmão mão aberta.
Agora, Doflamingo tinha que recorrer a mim para financiar suas loucuras do marketing, aos quais vetava com incisiva negação. Uma após a outra, suas ideias exuberantes eram descartadas e jogadas no lixo. Onde já se viu alugar um helicóptero e uma roda gigante para gravar um momento de dez segundos em uma propaganda para o YouTube? Doflamingo realmente não tinha qualquer senso de realidade, o que o tornava ainda mais irritante.
E Corazón o apoiava em muitas dessas baboseiras sem sentido como o irmão bonzinho e manipulável que era, uma só gota de chantagem por parte de Doflamingo para que Corazón intercedesse em seu socorro.
Que dupla mais imprestável e absurda.
Ouvi os passos dele adentrarem meu escritório e o som da porta sendo fechada ecoou. Mantive-me apático como se nem ao menos estivesse escutado, entretanto, estava ciente de todos os seus movimentos pelo barulho de seus sapatos de grife deslizando pelo chão.
Passos e mais passos ao meu redor. Ele se prosta em frente a minha mesa e espera. Evito demonstrar qualquer emoção ou movimento que demonstre que eu o percebi, entretanto, sei que ele já possui ciência de que o notei. Ele sempre sabe.
Ele é astuto como uma raposa e isso soa contraditório e engraçado já que ele é uma ave a espera de um milagre.
— Não, senhor Donquixote, não temos verba para mais uma de suas loucuras — falei sem muitos rodeios e antes que ele pudesse desandar em seu detalhamento excessivo sobre seu plano mirabolante de marketing. — Volte quando sua ideia custar menos de mil reais.
— Ora, Croco~, prometo que dessa vez você irá gostar. Ao menos escute minha ideia.
Doflamingo se aproximou mais de onde eu estava e se sentou sobre a mesa, as pernas compridas e finas pareciam estranhamente elegantes quando as cruzava.
— Vai custar mais de mil reais? — perguntei incisivo e direto, não era homem de rodeios e Doflamingo me deixava à flor da pele com seus planos mirabolantes e improváveis.
— Possivelmente — comentou sem qualquer vergonha na cara, seus lábios nem ao menos tremeram ao dizer isso com um enorme sorriso.
— Então não quero ouvir.
— Ora, vamos, Croco~, não custa nada me dar uma chance.
O homem loiro girou sobre a mesa e ficou sentado em minha frente, cara a cara comigo enquanto suas pernas compridas se apoiavam no braço de minha cadeira, me deixando encurralado, mas logo empurrei seu sapato fino para o lado até que seus pés ficassem somente pendurados no ar.
— Não quero, agradeço sua proposta, entretanto, não tenho interesse em suas loucuras — disse sem muita empolgação e alcancei algumas papeladas de prestação de conta que ainda estavam por fazer. — Agora, se me der licença, senhor Donquixote, tenho meu trabalho para fazer.
— Escute-me e te deixo em paz para fazer o que quiser, Croco~, só te peço um minuto de sua atenção. Vai me negar algo tão simples?
— Vou, agora saia — respondi o mais seco possível, indicando a saída com os papéis.
— Que péssimo sócio você é, Croco~, o que Corazón diria de suas atitudes tão autoritárias e desumanas com o irmão querido dele?
— Quantos anos você tem para usar uma chantagem tão infantil assim, senhor Donquixote?
— Idade o suficiente para tornar sua vida um inferno ou um paraíso, só depende da sua resposta, Croco~.
Respirei fundo e tornei a colocar os papéis sobre a mesa. Levei meus dedos até minhas têmporas e as massageei com cautela. Aquela ave irritante era insistente e tinha uma paciência e ausência de trabalho tremenda para passar tanto tempo me infernizando.
Não o respondi de imediato e me mantive em silêncio, me enganando em achar que um tratamento de silêncio o faria desistir e retornar ao seu setor, contudo, não funcionou e arrastei minha cadeira para trás quando seus pés tocaram o chão e sua figura alta se abaixou entre minhas pernas.
— O que pensa que está fazendo? — perguntei tentando manter minha voz amena para disfarçar o sobressalto que tive e meu coração palpitando estranho com aquela situação.
— Como chantagem não funciona, irei implorar por sua benevolência — respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e me controlei para não erguer a perna para chutar seu rosto cínico. — Por favor, Croco~, apenas uma migalha de sua preciosa e cara atenção.
— Um minuto e nada mais.
— Obrigado, Croco~, prometo não decepcioná-lo — disse ele com o sorriso mais largo do mundo e não contive o ímpeto de revirar os olhos enquanto ele se erguia uma vez mais. — Sobre o helicóptero e a roda gigante, ainda acho que essa ideia é imprescindível para o lançamento do novo produto. Conversei com alguns conhecidos e consegui alguns orçamentos que podem caber em mil reais… Talvez um pouco mais que isso, mas nada muito extraordinário e…
— Seu minuto acabou, agora saía. Nada de helicóptero nem roda gigante.
— Croco~...
[...]
Maldita ave insistente e irritante, insuportável loiro chantagista. Ainda não nasceu no mundo criatura mais perseverante e intragável quando o assunto é transformar a vida de alguém em um completo inferno.
Depois daquele dia, Doflamingo conseguiu infernizar minhas horas a ponto de me fazer ceder por não suportar mais sua voz irritante e sua postura insuportável.
Agora, estava sentado em um helicóptero há quilômetros de altura do chão, enquanto a criatura irritante gravava para a propaganda de dez segundos.
Céus, como pode algo que dura tão pouco tempo demandar tantas gravações, mudanças cenográficas, alterações de luz e localização?
Encarei pela janela o mundo abaixo e busquei algo para distrair minha mente. A cidade era bonita do alto, não podia negar. Os prédios que pareciam gigantes agora estavam menores e se tornavam tão insignificantes na altura em que estávamos.
Conseguia ver o prédio comercial da empresa e apoiei minha mão sobre o vidro, acompanhando sua estrutura com a ponta dos dedos. Estar tão alto era interessante e diferente, entretanto, a paz do escritório me trazia saudades, o conforto de minha cadeira era muito melhor do que aquele assento duro e sem graça.
— Que cara é essa, Croco~? Não está gostando de nosso passeio? — Ouvi Doflamingo comentar e revirei os olhos por puro instinto.
— Já terminou? Podemos descer?
— Terminei e não podemos. Alugamos esse helicóptero por uma hora, nos resta meia hora de passeio. Relaxe e aproveite a paisagem.
Revirei os olhos uma vez mais e permaneci com meu olhar fixado no mundo que se estendia lá embaixo. Era estranho e ao mesmo tempo reconfortante perceber o quanto as coisas se tornam minúsculas e insignificantes vistas de longe, como se qualquer problema perdesse seu sentido diante da magnitude de todo o cosmos.
— Daqui, o nosso prédio parece um palito de dente do meio de vários — comentou Doflamingo e o senti se aproximar, seu queixo ficou sobre meu ombro e meus músculos tencionaram com a proximidade repentina. — E o fato de ser tão pequeno no meio de tantas outras coisas, me faz pensar sobre o quanto precisamos buscar sentido um para tudo… Se somos tão minúsculos em comparação com o mundo, viver por si só já não seria sentido o suficiente? Sobreviver em meio a tudo isso não é o bastante?
Encarei-o pelo canto do olho e fiquei com aquelas palavras em minha mente. Buscar um sentido era algo que as pessoas fazem com frequência mesmo que no final das contas nossa vida seja tão insignificante que se torna algo obsoleto e desnecessário.
— Sempre pensei que o que desse sentido a vida fosse a morte… Estar vivo significa que um dia morreremos e, por isso, não há motivos para se reprimir ou se fixar tanto no futuro que pode nem existir no final das contas — disse Doflamingo e sua mão de dedos compridos tomou o lugar de seu queixo, seu rosto se afastou significativamente de mim.
— Mas há sempre a possibilidade de continuarmos vivos para vivenciar o futuro — respondi e senti um ímpeto de afastá-lo, contudo, não consegui me mover nem controlar a estranheza que se apossou de meu corpo.
— Quanto a essa questão, é um problema para depois, nos preocuparmos com algo que está além do hoje é um desgaste desnecessário e infrutífero. Por que me incomodaria em resolver alguma coisa que nem ao menos tenho a certeza de que vai acontecer?
— Para mim, isso só parece uma desculpa para tentar me convencer a acatar as suas ideias extravagantes que gastarão os lucros da empresa.
Doflamingo riu alto com minha fala e percebi o clima mudar ao nosso redor. Não havia uma rivalidade entre nós ou me sentia irritado com aquela maldita ave. Era apenas nós dois em um momento tranquilo em que não precisávamos brigar para ver quem cederia primeiro, quem acataria a vontade de quem. Não havia diferenças ali, não havia distinção, apenas dois adultos em um passeio qualquer.
— E por acaso não está se divertindo com minha ideia extravagante de alugar um helicóptero, Croco~?
— Não é tão ruim assim, mas não acho que vale o preço que pagamos.
— Não seja chato, Croco~, sei que está curtindo tanto quanto eu.
Não o respondi nem que sim e nem que não, mas tinha absoluta certeza de que ele compreenderia meu silêncio como uma concordância para sua fala e não desmentiria nem afirmaria. Aquela ave irritante não merecia qualquer certeza de minha parte.
[...]
A noite caia vagarosamente, acompanhando o ritmo maquinal e lento da cabine da roda gigante. Não havia mais ninguém a utilizando e Doflamingo havia sido extremamente breve em suas gravações daquela vez, poucas tomadas e já parecia satisfeito.
Algumas luzes brilhavam por todo o maquinário e iluminavam o interior da cabine. A presença constante de Doflamingo estava ao meu lado e tentava ignorar aqueles olhos penetrantes e incisivos em minha direção. Ignorei com extremo afinco, mas sentia minha nuca queimar sob seu olhar enquanto fingia estar atento às coisas do lado de fora.
Senti-me estranhamente constrangido ali, de uma maneira que não me senti em nenhum outro momento em minha vida. Estar em um ambiente fechado com aquela ave me dava uma claustrofobia esquizofrênica e me peguei inquieto em minhas perturbações internas.
Doflamingo estava silencioso, o que tornava ainda mais perturbador. Quando a ave não grasna, sabe-se que há algo de errado. Dava para sentir na atmosfera daquele pequeno cubículo que uma tensão nos rondava.
— Sabe, Croco~, a primeira vez que fui em um parque de diversões, foi com o meu irmão e foi em uma roda gigante como essa que descobri que também gostava de garotos.
— E por que está me contando isso agora?
— Por nada em específico, apenas achei que o silêncio estava te incomodando.
Fiz um baixo som de entendimento, mas não concordei nem discordei de sua afirmação, deixei que tirasse suas próprias conclusões sozinho.
— Estava sentado exatamente onde você está, enquanto Corazón estava aqui em meu lugar. Olhei para fora da cabine e vi o rapaz mais bonito que poderia existir. Usava o uniforme de um colégio de ensino médio e eu estava por terminar o ensino fundamental… Ele era lindo e de uma presença marcante, mal consegui tirar meus olhos dele, mas logo a roda gigante começou a girar e ele ficou tão pequeno lá do alto, entretanto, sabia que continuava tão bonito quanto de perto… Aquele rapaz foi o meu primeiro amor não correspondido e tão doloroso quanto deveria ser.
— Não consigo imaginar você sofrendo por amor… Logo você que é tão exibido e cheio de si… Pensei que seu amor próprio engolia qualquer outra maneira de amar.
— Ora, Croco~, homens bonitos também sofrem. Precisamos falar mais sobre a solidão do homem gostoso que vive sozinho por ser belo demais para ser conquistado.
Tentei me conter, mas não consegui segurar o riso que escorreu pela minha garganta. Como ele podia ser tão descarado e cheio de si até naquele momento?
— Pelo jeito consegui arrancar sua primeira risada direcionada para mim. Fico honrado em presenciar uma das sete maravilhas do mundo pessoalmente.
— Vai a merda, flamingo irritante — respondi atravessado e tornei a fechar a cara em uma expressão séria. — Não quero que faça chacota de mim.
— Eu não estou. Eu realmente acho sua risada uma das coisas mais incríveis do mundo.
Encarei-o por longos segundos depois disso e a tensão que antes sentia sobre meus ombros tinha se dissipado totalmente.
— Agora, Croco~, eu me sinto exatamente como na minha primeira vez em uma roda gigante, olhando para o homem mais bonito que tive o prazer de colocar meus olhos.
— Não flerte comigo como se não fosse nada, senhor Donquixote, não estou interessado em suas piadas e provocações sem sentido…
— Oh, não, Croco~, minhas provocações são repletas de sentido, assim como ter insistido tanto para termos bons momentos a sós em um helicóptero e nessa roda gigante.
— Você… Eu não acredito que me fez gastar os lucros da empresa por um mero capricho seu… Não precisava de tudo isso.
— Mas eu quis oferecer tudo isso para você, Croco~, sua presença torna meus dias mais divertidos e só isso me basta para querer te oferecer algo assim.
Revirei os olhos e balancei a cabeça para os lados. Parecia algo que apenas a cabeça deturpada e exuberante de Doflamingo cogitaria em planejar.
— Da próxima vez, me leve para jantar. Não fique gastando o dinheiro da empresa para algo pessoal.
— Então, você quer sair comigo mais uma vez? Oh, Croco~, não sabe o quanto me faz feliz ao dizer isso — comentou Doflamingo e mantive meu rosto virado para o lado oposto, podia ouvir em sua voz o sorriso bem escancarado que ele sempre trazia em seu rosto.
Ignorei-o e deixei minha mão repousar sobre minha coxa enquanto observava as luzes e prédios do lado de fora da cabine. Senti os dedos compridos de Doflamingo deslizaram por minha mão e não reagi, apenas deixei que entrelaçasse nossos dedos e estranhamente pareceu tão certo que não pensei em recusar.
Éramos completamente opostos um do outro, por vezes inimigos, contudo, ali, passei a me dar conta de que nossas atitudes em relação ao outro eram um comportamento idiossincrático para tornar a presença uma constante em nossas vidas.
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idiossincrasia
FanfictionCrocodile e Doflamingo, dois homens de gostos distintos e setores da empresa completamente diferentes e rivais. Um só queria cuidar das finanças da empresa, gastar o mínimo possível para aumentar o lucro ao máximo, enquanto o outro o esbanjava e fa...