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24 de maio de 2023 —Ponto de vista(Clara)

Mais um dia em que eu só queria que terminasse logo,
começou, Theo já saiu para o trabalho, Rafa está na faculdade e eu como sempre estou em casa arrumando a bagunça que a agressividade de meu marido fez em nosso quarto.

Estou agachada ao lado da parede catando cada caquinho do copo que ele havia quebrado perto de minha cabeça, enquanto algumas lágrimas desciam furiosamente por meu rosto, me deixando praticamente sufocada de tanta dor pelo que aconteceu.

O homem, com quem eu costumava ser muito feliz, chegou em casa ontem, bêbado, com cheiro de perfume barato e marca de batom na blusa. Eu fui falar com ele, tentar confrontar, mas a bebida tinha deixado ele ainda mais agressivo do que as outras vezes, então foi tudo tão rápido, que eu só vi ele me empurrando contra a parede e pegar o copo de vidro na mesinha de cabeceira antes de quebrá-lo perto de mim.

Eu só tive tempo de me esquivar um pouco antes que os cacos me perfurassem toda, obviamente eu não consegui escapar de todos, mas da maior parte sim. Theo me soltou de maneira brusca, me fazendo quase cair em cima do vidro chorando de forma copiosa.

A lembrança desse momento com tantos detalhes fez meu corpo estremecer. Me levantei para afastar o tremor e para jogar fora o que um dia foi um copo e a única coisa que eu senti foi uma dor passar por todo o meu pé.

—MERDA!— fechei os olhos enquanto xingava.

E quando olho para baixo, vejo o sangue escorrendo, tinha acabado de cortar o peito do pé com um caco que passou batido por mim.

—Que droga, agora vou ter mais coisa para limpar.— saio andando com cautela por minha casa até chegar na cozinha.

Jogo o vidro dentro de uma garrafa plástica e volto para meu quarto, sentando na cama e retirando com cuidado o pedaço de meu pé. Mesmo com a mão mais leve, senti muita dor ao desenterrar aquele caco.

Aproveitei que teria que lavar o sangue e fui tomar um banho para ver se conseguia relaxar e tirar a dor e a tristeza de meu corpo. Enquanto sinto a água cair sobre mim, ouço um barulho de porta se fechando e passos casa à dentro.

Achei que era Rafa, já que ele poderia ter tido algum problema na faculdade e voltou para casa com Fred, mas sou surpreendida com a voz de Theo me chamando, com um tom calmo e falso de carinho.

—Clara, onde você está?— percebi pela altura de sua voz que estava no quarto.

—No banho, Theo, o que você quer?— a porta do banheiro se abre e vejo meu marido entrar.

Sem falar nada e nem ter uma resposta, apenas encaro ele tirar o terno, afrouxar a gravata e se despir antes de entrar no chuveiro comigo. Ele se molha, segura meu rosto em suas mãos e me beija rapidamente.

—Vim ver minha linda esposa e fazer uma surpresa, vamos almoçar fora, hoje?— ele passa o nariz de leve por meu rosto de forma carinhosa.

—Vamos sim!— Sorrio de forma sutil e Theo volta a me beijar.

Suas mãos desceram por meu corpo e ele me puxou para mais perto, me colando em si. Coloquei uma pequena barreira entre nós, não queria fazer aquilo naquele momento, não quando estava tentando esquecer do dia anterior.

—Theo...— afasto nossos lábios.

—Que foi, Clara?

—Não somos mais adolescentes para transarmos no banho, eu só quero me limpar, por favor.

—Porra Clara, você sempre acaba com qualquer clima. Quer saber? Deixa para comer fora outro dia e aproveita para procurar uma academia, engordou bastante esse mês.— sua voz carregava irritação e um pouco de desgosto.

Então ele saiu do box e se secou no quarto, me deixando ali completamente imóvel e se possível um pouco mais destruída do que antes de chegar em casa. Sinto uma onda de angústia me percorrer e eu me abraço com força tentando fazer com que os pensamentos inseguros e depreciativos me façam de refém mais uma vez.

Uma nova enxurrada de lágrimas vêm enquanto acabo meu banho, e só piora quando ouço novamente a porta batendo, mas dessa vez indicando que ele foi embora. Desligo a água com muita reluta e me enrolo o mais rápido possível na toalha, fazendo o máximo de esforço que consigo para não me olhar no espelho.

Quando acabei de me vestir, me obriguei a me encarar no espelho e quando fiz, não tenho palavras melhores para descrever do que: eu vi um monstro no meu lugar, me senti a pessoa mais horrenda que já havia passado na terra e aquilo me destruiu. Meu corpo, minha beleza e minha auto estima, uma vez, anos atrás, foram meu instrumento de trabalho e motivo do meu mais sincero orgulho, hoje as mesmas coisas me assustavam demais.

Eu havia mudado, eu havia engordado, fiquei um pouco flácida por conta de uma gravidez que me gerou a coisa mais feliz da minha vida, e por mais que tudo isso fosse natural, que deveria ser lindo, eu não via desta mesma forma. Então prometi a mim mesma que amanhã iria procurar fazer um exercício, mas por agora, eu iria fazer meus trabalhos domésticos.

Coloquei um curativo em meu pé e fui limpar o sangue e o que poderia ter sobrado do copo, antes de começar a fazer o almoço para mim e para Rafa. Quando já estava na cozinha preparando a comida, ouço a porta abrir e uma voz feminina falar de forma animada.

—Rafa? É você, filho?— pergunto e ouço os passos se aproximarem do cômodo.

—Sim, mãe, e eu trouxe uma amiga da faculdade.

—Uma amiga? Você não tinha me falado que de UMA AMIGA.

—Mãe, essa é a Kátia, Kátia essa é a Clara, minha mãe.— seco minha mão que estava molhada e estico para que a garota aperte.

—Que isso, dona Clara.— e ela simplesmente me abraça com força.— sua mãe é linda hein, Rafa, já sei de onde puxou a sua beleza.

—Que isso, querida.— solto uma risada "desconfortável"— e nada de me chamar de dona, é só Clara.

Rafa me avisou que a menina iria almoçar com a gente e ficamos conversando por horas à fio, até que ela precisou ir embora. Tinha adorado a garota, de verdade, principalmente quando vi o brilho no olhar de meu filho toda vez que ela falava. Algum tempo depois, quando Rafa já tinha ido pro quarto, eu resolvi bater lá para falar com ele.

—Filho, tá podendo falar?

—Tô sim, mãe, pode entrar.

—Eu vim te chamar para ir malhar comigo, tem uma academia aqui no prédio e eu descobri que uma personal vem todo dia dar aula, mandei mensagem para ela e vi que tem disponibilidade para amanhã. Só que eu não queria ir sozinha, pelo menos nessas primeiras aulas.

—O Theo falou algo para você querer malhar de repente?— abaixo meu olhar, incapaz de mentir para meu filho.— Já saquei mãe, eu não quero ir, mas tem meu apoio se for isso mesmo que você quer fazer.

Segurei o choro e agradeci ao menino, indo para meu quarto tentar dormir antes que Theo chegasse, se ele voltasse para casa ainda hoje. Sabia que a madrugada ia ser dura e cheia de lembranças que me assustavam, mas tinha que estar disposta para o dia de amanhã.

——
Nota da autora!

O que acharam do segundo capítulo?

Por favor, comentem bastante, divulguem e favoritem a fic, isso ajuda muito no engajamento.

Até o próximo capítulo<3

De outra vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora