Roubo é roubo. Pegar emprestado sem avisar, não. Afinal, eu ia devolver os lápis depois.
Era isso o que minha irmã não entendia.
Fernanda, esquentadinha como sempre, veio me agredir.Não prestou.
Tínhamos acabado de acordar, e de repente, éramos duas crianças furiosas, com os dedos entrelaçados nos cabelos desgrenhados um do outro.
Foi quando ouvimos um pigarro, proposital. Viera de trás de mim, da porta do quarto.
— Iiihh! — Fernanda agitou as mãos no ar, com o rosto transmitindo os sinais do primeiro nível na escala do desespero.
Virei-me, então constatei:
— Ferrou!
Nossa mãe já havia visto tudo. Agora ela estava de costas, vestindo camisola azul claro até a altura das canelas, e a cabeça cheia de bobs. Os pés se arrastavam sem pressa de volta ao quarto dela.
Nós, que, segundos atrás, arrancávamos chumaços de cabelo um do outro, passamos então a nos abraçar, tomados pelo mais sincero amor fraternal:
— Não, mãe. Não, mãe. A gente tá se abraçando. A gente tá se abraçando — Fizemos coro.
— Não vai adiantar, ela foi buscar o chinelo — disse minha irmã. Ela era mais velha do que eu, conhecia profundamente a lenda: Dona Miranda, aquela que não errava uma chinelada. — Vamos pra debaixo da cama!
A pele da barriga ardia enquanto nos arrastávamos pelo chão de taco de madeira. A camiseta se embolava à altura do pescoço.
Nosso refúgio se encostava na parede oposta à entrada do quarto. De lá, o terror crescia na medida em que o som dos passos de Dona Miranda se aproximavam de nós.
As passadas de nossa mãe se intercalavam. Uma fazia "plec", a seguinte, "ploc". E éramos inteligentes o bastante para saber o que isso significava: um pé com chinelo e o outro sem.
Sim, ela vinha ao nosso encontro de novo, dessa vez à mão armada.
Miranda mancava no tempo dela, sem correr. Todo mundo sabe que vilões nunca correm. É clichê? Sim, claro que é, mas isso porque às vezes a arte imita a vida.
Quando os passos pararam na beirada da cama, ficamos imóveis feito estátuas.
Lembrei-me de uma cena de Jurassic Park, na qual os dois irmãos prendiam a respiração para passar despercebidas pelo temido Tiranossauro Rex. O predador cheirava as crianças um pouco e depois ia embora sem devorá-los.Minha mãe não era um dinossauro, mas não custava tentar.
"No filme deu certo. Vai que funciona." Pensei.
... Não funcionou! 😖
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O Massacre do Chinelo
Short StoryUm pequeno conto em homenagem a minha mãe, Dona Miranda, e sua arte de educar filhos. Baseado numa história real