Com o levantar da colcha da cama, a luz da manhã invadiu nossa caverna, revelando aos nossos olhos um par de canelas finas, um pé com chinelo, outro descalço, e, para nosso terror, o bico do outro Hawaianas, flexível, assobiando ao ser sacudido no ar.
Dona Miranda dominava a técnica desse tipo de armamento:
— Ao golpear, você nunca avança até que o chinelo toque o alvo. Não! Tente parar a mão quando a sola estiver entre 2,6 e 3,8 centímetros do bumbum de seu filho. Deixe que a estilingada causada pela frenagem faça o trabalho. — provavelmente dizia Dona Miranda em seu curso de mães. Não que isso realmente tenha acontecido, mas foi o que imaginei naquele momento.
Então, pela primeira vez a ouvimos falar. Com a voz calma como a do Dalai Lama, decidiu que a surra física não seria o suficiente para nós.
Não.
Irmãos que brigam merecem algo ainda pior. Merecem ouvir a tal frase que adicionou a essa história o gênero de Thriller Psicológico.
Ela poderia simplesmente ter nos puxado pelo braço.
Mas não. Fomos psicologicamente torturados, não com um mero "saíam daí", mas sim um terrível:
— Saíam daí... PRA APANHAR.
— Não, mãe. Não, mãe — chorávamos aos montes, sob o peso da decisão colocada em nossos ombros. O anúncio de nosso trágico desfecho, vindo da frase apocalíptica de Dona Miranda, retumbava em nossas mentes.
Brigar com minha irmã havia sido um caminho sem volta.
"Se eu sair, vou apanhar." Pensei.
"Logo, alguém vai ter que trazer comida pra mim, porque, daqui pra frente, vou morar pelo resto da vida debaixo da cama". Tentava negar meu inegável destino.
Minha irmã, porém, aceitou o dela: entregou o galhinho seco que chamava de braço para ser puxado para fora.
"Chilépe... Chilépe". Vieram as duas primeiras investidas.
— Vai bri-gar mes-mo com se-u ir-mão, vai? — as sílabas eram interrompidas a cada golpe.
Resolvi também desistir, minha esperança havia desmoronado. Entreguei meu braço trêmulo e imediatamente minha barriga deslizou quente pelo piso, até o centro do quarto.
Por esse mesmo braço fui colocado em pé. Com minha mão livre - haja vista que a direita permanecia içada - fechei a guarda em frente ao meu traseiro.
— Tire a mão... PRA APANHAR — disse minha mãe. E repetiu, até que vislumbrasse o caminho livre.
Então vieram as chineladas. Três movimentos precisos, frios e técnicos.
E...
Para minha surpresa...
... Não doeu!
É sério. Não doeu absolutamente nada.
Fingi que sim, para não desanimá-la. No entanto, hoje olho para o passado e entendo como Dona Miranda sempre teve um coração mole quando o assunto eram os filhos. Ela nunca teve a intenção de nos machucar.
Admito: após o susto desse dia, nos quase 30 anos seguintes, nunca mais sequer pensei em brigar com minha irmã de novo, e sei que, na verdade, para Dona Miranda, esse era seu real alvo...
... e não nossos bumbuns.
Feliz Dia das Mães à todas as mães.
Tanto às "Nutellas" quanto às "raízes", como a lendária Dona Miranda.
Deixo aqui uma imagem dos "personagens", foto tirada no Dia das Mães de 2023.
Sim, estamos um pouco mais crescidos, mas nossos bracinhos continuam finos. 🤔😅
OBRIGADO POR TER LIDO.
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O Massacre do Chinelo
KurzgeschichtenUm pequeno conto em homenagem a minha mãe, Dona Miranda, e sua arte de educar filhos. Baseado numa história real