Um gato no telhado

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Bati com a mão no bolso da calça sem ouvir o tilintar das chaves.

— Putz! Não acredito que perdi. — Reclamei, tateando todos os locais onde podia tê-la deixado. A praça em frente estava mais escura do que o de costume.

Apenas o poste, no centro, próximo aos brinquedos infantis, estava aceso. E mesmo ele falhava quando em vez. Isso dificultava minhas buscas.

— Calma, calma! Vamos refazer meu percurso. — Propus a mim, fechando os olhos e tentando relembrar o dia.

Vi-me na correria da manhã. Levantei-me assustado buscando o despertador ao lado que não havia dado sinal de vida.

— Maldito! — Praguejei perdendo o foco por instantes.

— Ok, ok. Voltemos para o dia! — Concentrei-me novamente.

Aflito, corri ao banheiro... um banho rápido de gato... jeans, camiseta cinza, e em apenas 10 minutos já estava pronto.

Deixei água fervendo na chaleira elétrica, enquanto arrumava a mochila.

— Computador, mouse, caderno de anotações... Ah! Quase esqueci da fonte! — Disse com a mão na testa, ouvindo um bip logo em seguida. A água estava quente.

— Uma, duas colheres... Em seguida, a água. E "voilá"! Um excelente café de preguiçoso. — Sorri com saudosismo, relembrando como meu pai se referia a café solúvel.

— E lá se vão dez anos sem aquele hilário rabugento. — Suspirei acrescentando leite na caneca. Bebi tudo sem tirá-la dos lábios.

Sentei-me no mocho de madeira para calçar o tênis. Oreo chegou de mansinho, roçando a cabeça contra meu pé ainda descalço.

— Bom dia! — Um bocejo foi dado. Junto com um longo miado.

— Quase esqueci de você não foi? — Retornei para cozinha despejando a ração no pote do bichano, correndo em seguida para a porta.

Chave na fechadura... gira... abre. Passei pelo umbral e já na calçada do outro lado da rua, lembrei.

— A mochila, a mochila! — Esbravejei dando meia volta.

Uma buzina quase me mata de susto. Xinguei o motoqueiro e segui sem olhar para trás.

Chave na fechadura... gira... abre. — Entrei novamente. Oreo já tinha feito da mochila sua cama. Era típico dele. Dizem que o cheiro do tutor os atrai. Fica impregnado nas roupas, utensílios, enfim...

— Vamos carinha! Preciso dessa coisa aí. — As orelhas arqueadas para trás, os dentes a amostra e um bufar agora nada satisfeito. Era incomum vê-lo daquele jeito.

— Não tenho tempo para suas birras agora. Depois conversamos.

Mochila nas costas... chave na fechadura... gira... abre... passa... fecha.

— É isso! As chaves... coloquei-as no bolso lateral da mochila!

A luz do poste piscou novamente me fazendo retornar ao presente. Olhei de relance para a praça. Um vulto pareceu-me surgir no vaivém da escuridão. O susto me fez estagnar. Sem conseguir tirar os olhos do local, me vi esperando uma confirmação de que tudo não passava da imaginação de uma mente cansada, louca para tomar um banho e cair na cama, depois de um dia estressante. Enganei-me. Em mais algumas piscadelas, lá estava ele novamente. O vulto.

— Era só o que me faltava agora... um fantasma me aparecendo para terminar de gelar o meu dia.

Voltei minha atenção para as chaves. Ou talvez meia atenção, estando eu com um dos pés na investigação que me faria entrar em casa, e o outro na assombração, a cada piscada mais próxima de mim.

— Onde está a maldita chave. Onde?

— Na mochila. Lembra?

Fechei os olhos tremelicando dos pés a cabeça. A dúvida em virar-me, ou manter a sanidade, era demasiadamente causticante.

Em um esforço sobre-humano, movimentei meu braço, parecendo ter o peso de uma tromba de elefante, no intuito de alcançar a mochila.

— E onde está a maldita mochila? — Sussurrei.

— Pois é. Onde ela está? — Novamente a voz. Agora parecendo-me familiar. Abri os olhos e devagar girei meu rosto.

— Pai? — Ele sorriu, desviando sua atenção para o telhado. Oreo estava lá, miando para a lua, ou talvez na caça de algum inseto.

— Pai? — Repeti a pergunta surpreso.

A resposta? Como era de seu costume: simples, bem-humorada e objetiva.

— Olá filho. Acho que o gato subiu no telhado!

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⏰ Última atualização: Jun 06, 2023 ⏰

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