Prólogo.

— Por favor, papai. Pare — choramingo, mordendo os lábios. Não choro, mas meus olhos ardem.

Minha boca doía, eu conseguia sentir o sangue na língua e um dente mole. Meu rosto estava ficando inchado, consequências de um soco certeiro no maxilar. Eu estava no chão, encolhida, machucada, meus olhos secos e ardidos, sem sinal algum de lágrimas futuras. Enquanto a figura bruta do meu pai se estendia diante mim, com o rosto contorcido numa careta de raiva, ele estava quase espumando pela boca feito um cachorro.

— Prostituta. Sua filha é uma prostituta. 

— Não fale assim da nossa menina, por favor. — mamãe se aproxima de mim, tentando me ajudar a levantar. — Talvez não seja o que parec…

Papai bate forte na frágil mesa de madeira e eu tenho quase certeza que ela vai desabar, mas não desaba, permanece firme, mesmo com suas pernas tortas. Mamãe que desaba, escorrega de susto ao meu lado e chora, como se fosse ela quem estivesse apanhando.

— Não é o que parece? Era isso que você ia ousar dizer?

Mamãe gagueja, meus ouvidos doem, mas sei que papai não está nem perto de terminar. Vejo isso no seu olhar cheio de ódio, na sua agressividade que se tornou corriqueira depois que começou a beber com alguns novos amigos. A surra da última semana queima na minha pele, o barulho do chicote ecoa nos meus ouvidos.

— Sua filha está por aí, dormindo na cama de qualquer um e trazendo desgraça para nossa família. Manchando nosso nome — ele grita tanto, que sei que os vizinhos podem ouvir — Sabe a vergonha que passei quando Karlon veio me dizer que viu uma das suas filhas sair da casa de um homem? — papai direciona o olhar para mim — Imediatamente soube que era você, Sara nunca faria algo assim.

Sara é a filha planejada, a caçula, a princesinha do papai. Para ele, Sara nunca erra, nunca faz nada de mal, ela é obediente e dedicada. Nunca disse uma palavra feia, nunca se irrita quando pisam no seu calo, age com tanta educação, que não parece ser da família. Ela é a filha que qualquer um poderia pedir aos céus. Diferente de mim, que faço cara feia quando não gosto de algo e que digo palavras ruins o tempo todo. Eu e Sara deveríamos ser espelhos dele, mas enquanto ela reflete tudo que papai jamais será, eu sou seu reflexo quase perfeito. 

— Papai? — uma voz miúda chama, uma mão erguendo a porta do alçapão e a outra segurando uma boneca de pano velha que já foi minha — Por que está bravo?

Vejo a feição do meu pai mudar, vejo a raiva ir embora e dar lugar a um rosto carinhoso, que é estranho para mim, em menos de segundos. Papai nunca se irrita com Sara, nunca quer lhe mostrar seu pior lado, e essa é a única coisa que lhe sou grata.

— Papai não está bravo, Sarinha. 

O olhar de Sara se move entre papai e eu, e então até mamãe, que tentava conter o choro. Sara é inteligente, ela sabe o que está acontecendo, sabe que ele estava tendo mais uma ataque de raiva, mais uma de suas explosões ridículas. Então ela sorri, sabendo os efeitos que ela tem sobre nosso pai. Seu sorriso o faz virar o melhor pai de todo o reino e ele caminha até onde ela está.

— Você não quer que o papai lhe conte uma história? 

Papai sugere, como se quisesse impedir a mente de Sara de pensar demais sobre a situação. Mas isso é impossível. Ela já pensou demais. Nada que ele faça irá camuflar tudo o que acontece na casa, tudo o que faz comigo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 16, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

DEUS SALVE O REI!Onde histórias criam vida. Descubra agora